Moral do dever em Immanuel Kant a partir de sua obra A Fundamentação da Metafísica dos Costumes
Moral do dever em
Immanuel Kant a partir de sua obra A
Fundamentação da Metafísica dos Costumes
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Resumo: Kant afirma
que a moralidade é uma propriedade da razão enquanto pura, quer dizer, enquanto
depurada de qualquer experiência empírica. Portanto, a conduta humana deve
seguir os preceitos e indicações que decorrem da razão e não das inclinações,
para que suas ações sejam moralmente boas. Assim, a razão encontra nela o
princípio supremo da moralidade de forma a priori, representada em uma lei
apodítica da ação, válida para todos os seres humanos, e cuja expressão se
manifesta no imperativo categórico que indica o dever como necessário de se
realizar ou não, desde que sua máxima inclua todos os homens de forma universal
na sua formulação. Portanto, é a razão que deve determinar a vontade humana,
motivo pelo qual a razão é prática por si mesma. Assim, o ser racional (o
homem) adquire consciência de sua liberdade quando se depara diante da lei moral.
Palavras-chaves: Immanuel
Kant; Princípio supremo; Lei moral; Dever; Imperativo categórico; Razão prática.
Sumario: Introdução. 1.O
princípio supremo da lei moral. 2. O dever é uma condição a priori da razão. 3.
Imperativo categórico e a liberdade da vontade humana. 4. A boa vontade e o
imperativo categórico. Conclusão. Referências.
Introdução
É possível agir
moralmente? De onde provem a condição que ajuíze determinadas ações como boas
ou más? Ao se formular esse tipo de perguntas quando se fala de moral,
pergunta-se sobre uma teoria moral, como ponto de partida de todo ajuizamento
moral das ações, de tal modo que estas possam ser julgadas boas ou más. Assim,
a moral é um tema de elevada importância para o procedimento ético do ser
humano em convivência com seus semelhantes. Nessa linha, Kant é um dos grandes
moralistas cuja filosofia proporcionou ao mundo amplas contribuições para as
reflexões sobre o comportamento moral e social do homem.
No presente artigo se
pretende abordar algumas das ideias principais do pensamento moral de Kant.
Nelas, com efeito, ele afirma que a moralidade é uma propriedade da razão e a
conduta humana deve seguir os preceitos e indicações que delas decorrem, para
que as ações humanas sejam moralmente boas. Por isso, no decorrer dos tópicos
subsequentes, irá se desenvolver os pontos básicos de sua doutrina, tendo como
base principal a “Fundamentação da Metafísica dos costumes”, que consiste numa
obra distinta de qualquer outra investigação moral que trate apenas sobre “o
princípio supremo da moralidade”, contendo, porém, os conceitos mais
importantes que acompanhará todo o trabalho moral de Kant contidos na sua
filosofia.
1. O princípio supremo da lei moral
O conhecimento teórico daquilo que é moral
para Kant constitui uma dificuldade que todos os homens experimentam quando, em
situações fixas, a razão se confunde com a prática de determinadas ações e que,
no entanto, todos os homens intuitivamente percebem que elas são necessárias de
se realizar ou não. Neste ponto, Kant afirma que o conhecimento filosófico
depois ajudará esclarecer o princípio
pelo qual se efetuam as ações consideras morais ou não (Kant, 2007, p. 36).
Neste sentido, o conhecimento moral não depende propriamente da razão teórica,
já que nela encontraria contradições ou confusões (Kant, 2007, p. 36), senão,
antes, da razão enquanto prática, ou seja, em relação ao conhecimento do
comportamento que deveriam observar
os homens. É neste sentido que, como se há de notar, Kant introduz o conceito
de dever, quer dizer, trata-se de
aquilo que por necessidade se deve fazer.
Quando se diz que os homens deveriam comportar-se de tal ou qual maneira, está se
afirmando que esse comportamento é necessário e, portanto, universal; características
do que é a priori.
Ora, Kant, ao reconhecer que a vontade humana
se vê afetada sempre pelas inclinações próprias da natureza humana, acabando
com frequência a se determinar por elas, ele pontua a questão sobre qual é o
destino natural da razão na vida do homem. Daí chega a determinar que a razão é
prática, e seu principal fim é, portanto, o da determinação da vontade,
purificando-a das intervenções das inclinações. É assim que se adota o conceito
de uma boa vontade, considerada em si
mesma e não como meio para um efeito possível.
[...] a razão nos foi
dada como faculdade prática, isto é, como faculdade que deve exercer influência
sobre a vontade, então o seu verdadeiro destino deverá ser produzir uma
vontade, não só boa quiçá como meio para outra intenção, mas uma vontade boa em
si mesma, para o que a razão era absolutamente necessária, uma vez que a
natureza de resto agiu em tudo com acerto na repartição das suas faculdades e
talentos. (Kant, 2007, p. 25).
Mas como é que Kant chega a postular que a
razão, de fato, é prática? Ele não podia responder a essa pergunta se não
houvesse concebido o conceito de princípios práticos da determinação da
vontade. Assim, postula que existe vários princípios pelos quais se realizam
determinadas ações. Porém, um único princípio é totalmente supremo, cuja
existência só é possível na razão humana de forma a priori, e não na experiência, precisamente porque a experiência
só proporciona regras práticas que são válidas apenas para um sujeito
particular e que, para outros, tais regras contrariamente podem não ser
válidas. As regras práticas da experiência são contingentes e condicionadas.
Por exemplo, um sujeito que é atleta precisa de muita prática e muito exercício
para se manter em forma para as competições, porque o que se pretende com isso
é o título de vencedor no final de uma corrida; mas, para uma pessoa coxa, que
não tendo possibilidade nenhuma de fazer corridas como o atleta, as regras de
exercícios e práticas contínuas não são válidas, considerando as condições em
que se encontra. Por isso, esses princípios que o atleta há de seguir
cuidadosamente chamam-se regras práticas adquiridas da experiência particular
do sujeito, que não cabe no contexto de moralidade suprema e universal. Assim,
só na razão pura pode encontrar-se esse princípio incondicionado da moralidade
que oriente as ações humanas de maneira a priori.
Ora, como já foi dito, a razão é pratica na
medida em que deve determinar a vontade. Ela deve produzir uma boa vontade que seja boa sem restrições, cujo valor
reside em si mesma e não deve ser usada como meio para a obtenção de uma coisa (Kant, 2007, p. 25). E, como já
foi falado, depois de que Kant aclara a impossibilidade de derivar da
experiência algo que fosse necessário e universal quando se fala sobre a moral,
o primeiro objetivo do conhecimento moral consistirá em identificar quais são
os elementos a priori da moralidade, que Kant defenderá na “Fundamentação”, o
qual ele sustenta que somente o dever contem a capacidade de fornecer uma ação
absolutamente boa, que, por conseguinte, deixará lugar à noção de
universalidade.
Na realidade, é
absolutamente impossível encontrar na experiência com perfeita certeza um único
caso em que a máxima de uma ação, de resto conforme ao dever, se tenha baseado
puramente em motivos morais e na representação do dever. Acontece por vezes na
verdade que, apesar do mais agudo exame de consciência, não possamos encontrar
nada, fora do motivo moral do dever, que pudesse ser suficientemente forte para
nos impelir a tal ou tal boa ação ou a tal grande sacrifício (Kant, 2007, p.
40).
Dito isso, vê-se que somente o dever constitui
necessidade objetiva para que as ações possam valer moralmente, de maneira
universal, quando são determinadas por ele. Só os deveres contêm universalidade
que caracteriza à lei moral, porque “toda a gente tem de confessar que uma lei
que tenha de valer moralmente, isto é, como fundamento duma obrigação, tem de
ter em si uma necessidade absoluta” (Kant, 2007, p. 15) a qual não exclua
ninguém dos seres dotados de razão em nenhuma condição e circunstância. Dessa
maneira, esse princípio supremo é uma lei que contém o conceito de dever em si
mesma, cuja representação determine as ações da vontade humana de tal modo que
esta seja boa.
[...]. O valor moral
da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera; também não reside
em qualquer princípio da ação que precise de pedir o seu móbil a este efeito
esperado. Pois todos estes efeitos (a amenidade da nossa situação, e mesmo o
fomento da felicidade alheia) podiam também ser alcançados por outras causas, e
não se precisava, portanto para tal da vontade de um ser racional, na qual
vontade — e só nela — se pode encontrar o bem supremo e incondicionado. Por
conseguinte, nada senão a representação da lei em si mesma, que // em verdade
só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, que
determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral, o
qual se encontra já presente na própria pessoa que age segundo esta lei, mas se
não deve esperar somente do efeito da ação (Kant, 2007, p. 32).
2. O dever é uma condição a priori da razão
Quando o dever dirige o mandamento à vontade,
dá-se o nome de obrigação à influência do mandamento. Mas esta não pode
proceder da experiência. A base da obrigação e do dever não pode fundar-se em
nada empírico, pois, mesmo que deva se referir ao homem como ser racional, não
pode fundar-se nem na natureza humana nem nas circunstâncias que a envolve,
senão há de ser uma base a priori na razão (Kant, 2007, p. 71). Daí a crítica
de Kant aos sistemas morais fundados em conteúdos empíricos, aos quais ele chama
de éticas materiais. Em primeiro lugar, todas eles são a posteriori (quer
dizer, depois da experiência): de alguma maneira todas elas identificam o bem
com a felicidade e consideram bom o objeto a que tende a natureza humana
considerada empiricamente; aceitando a determinação da vontade por objetos
oferecidos ao desejo.
Basta que lancemos os
olhos aos ensaios sobre a moralidade feitos conforme o gosto preferido para
breve encontrarmos ora a ideia do destino particular da natureza humana [...],
ora a perfeição, ora a // felicidade, aqui o sentimento moral, acolá o temor de
Deus, um pouco disto, mais um pouco daquilo, numa misturada espantosa; e nunca
ocorre perguntar se por toda a parte se devem buscar no conhecimento da
natureza humana [...] os princípios da moralidade, e, não sendo este o caso,
sendo os últimos totalmente a priori [...] (Kant, 2007, p. 44).
Ademais
de propor distintos bens entre os que não há possibilidade de pôr-se de acordo ao
estar baseadas na experiência – o que põe de manifesto sua falta de
universalidade – carecem da necessidade e universalidade necessária de que
devem gozar as leis morais. Daí que esses sistemas de determinação da vontade
são chamados heterônomos: o ser humano recebe a lei moral desde fora da razão,
pelo que em realidade não está agindo livremente, perdendo a capacidade de
autodeterminação de sua conduta, a autonomia da vontade.
Quando a vontade busca
a lei, que deve determiná-la, em qualquer outro ponto que não seja a aptidão
das suas máximas para a sua própria legislação universal, quando, portanto,
passando além de si mesma, busca essa lei na natureza de qualquer dos seus
objetos, o resultado é então sempre heteronomia. Não é a vontade que então se
dá a lei a si mesma, mas é sim o objeto que dá a lei à vontade pela sua relação
com ela (Kant, 2007, p. 86).
A moralidade não pode fundar-se em nada
empírico. Uma norma moral há de ser universal, há de valer para todos os homens
em todas circunstâncias e há de ser necessária, tendo de se cumprir por si
mesma. Tendo que ser de caráter formal, não pode estabelecer nenhum bem ou fim
da conduta, nem pode apresentar em exemplos o modo como tem de agir os seres
racionais: há de conter apenas a forma da moralidade, portanto, só na razão
pura pode encontrar-se de maneira a priori. Para esclarecer este ponto, eis o
que diz Kant na Crítica da Razão Prática:
[…]. Só a forma da
lei, isto é, uma lei que prescreva à razão nada mais do que a forma de sua
legislação, como suprema condição das máximas, pode ser a priori um fundamente
de determinação da razão prática [...] (Kant, 2007, p. 131).
3. Imperativo categórico e a liberdade da vontade
humana
O comando moral que
faz com que nossas ações sejam moralmente boas se expressa no imperativo
categórico: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer
que ela se torne lei universal” (Kant, 2007, p. 59). Essa lei está atada à
razão pura prática. O exemplo que Kant nos dá a respeito da mentira na Fundamentação é o mais conhecido.
Poderia alguém mentir em benefício próprio, de um ser querido ou mesmo em favor
da humanidade? Kant diz que não, pois a mentira jamais poderia ser
universalizada sem autocontradição:
[...] pois, segundo uma tal lei, não poderia
propriamente haver já promessa alguma, porque seria inútil afirmar a minha
vontade relativamente às minhas futuras ações a pessoas que não acreditariam na
minha afirmação, ou, se precipitadamente o fizessem, me pagariam na mesma
moeda. Por conseguinte, a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal,
destruir-se-ia a si mesma necessariamente. (Kant, 2007, p. 35).
Desse modo, a razão
pura manda (como prática) despertando
a consciência moral no sujeito que evidencia essa contradição, alertando que
essa ação deve ser refutada, visto que ela não pode servir para todos. Assim,
consultando a razão pura prática constatar-se-á que uma ação dessa índole, se
todos agissem de tal maneira, ocasionaria caos desastrosos no mundo das
relações morais humanas. Pelo contrário, a razão pratica deve indicar as ações
que são necessárias em si mesma, independentemente de qualquer efeito delas
esperado. É por isso que as ações que o homem pode fazer em relação a si mesmo
e em relação aos outros devem ser determinadas pelo princípio da dignidade
humana porque se considera o ser racional (o homem) fim em si mesmo, e não
apenas como meio para alcançar um fim, por ser constituído de racionalidade, na
qual está escrita a lei moral.
A razão relaciona, pois, cada máxima da vontade
concebida como legisladora universal com todas as outras vontades e com todas
as ações para conosco mesmos, e isto não em virtude de qualquer outro móbil
prático ou de qualquer vantagem futura, mas em virtude da ideia da // dignidade
de um ser racional que não obedece a outra lei senão àquela que ele mesmo
simultaneamente dá (Kant, 2007, p. 77).
De acordo com isso,
percebe-se que o conceito de lei também constitui a condição da liberdade do
homem. Com efeito, Kant diz que o homem vive em dois mundos totalmente
diferentes: o mundo da sensibilidade e o mundo inteligível (Kant, 2007, p.
100). Pelo mundo da sensibilidade (ou da natureza) o homem não teria liberdade,
sendo determinado pelas leis da natureza que funciona mecanicamente, seguindo
um ciclo de determinismo. Em contrapartida, pelo mundo da inteligibilidade, o
ser humano quando se depara diante da lei moral como determinante de sua
vontade, depurada de toda inclinação, descobre que ele é livre; já que a lei se
encontra na razão como resultado da autodeterminação da vontade para dirigir as
ações, isto é, como autolegislação, porque “a vontade é, em todas as ações, uma
lei para si mesma” (Kant, 2007, p. 94). Segundo o filósofo alemão, a vontade é
livre porque não considera qualquer influência de inclinações ou interesses
característicos do mundo da determinação ou da natureza, pois de outro modo, a
determinação da vontade seria uma heteronomia.
A necessidade natural era uma heteronomia das causas
eficientes; pois todo o efeito era só possível segundo a lei de que alguma
outra coisa determinasse à causalidade a causa eficiente; que outra coisa pode
ser, pois, a liberdade da vontade senão autonomia, é a propriedade da vontade
de ser lei para si mesma? (Kant, 2007, p. 94)
É por isso que Kant
diz que a condição que comprova a existência da lei moral é a liberdade do
homem (ratio essendi da lei moral),
sendo esta, no entanto, conhecida apenas graças à lei moral (ratio cognoscendi da liberdade) como
assinala Kant na citação na sua obra Crítica da Razão Prática:
Para que alguém não julgue encontrar aqui
inconsequência, pelo fato de agora denominar a liberdade condição da lei moral
e logo mais, neste mesmo tratado, afirmar-se que a lei moral é a condição sob a
qual podemos consciência da liberdade, quero lembrar aqui apenas que a
liberdade é indubitavelmente a ratio essendi da lei moral, mas a lei moral é
a ratio cognoscendi da liberdade. Se
a lei moral não fosse, em nossa razão, pensada anteriormente com clareza, não
poderíamos nunca julgar-nos como autorizados a admitir alguma coisa tal como é
a liberdade [...]. Mas se não houvesse qualquer liberdade, de forma alguma
poderia a lei moral encontrar-se em nós (citação de Kant, 1959, p. 311).
Assim sendo, em seu uso
prático a razão é a fonte de seus objetos, quer dizer, só nela se encontra a
determinação das ações (graças a representação da lei moral). É a produção de
eleições ou decisões morais de acordo com a lei que procede dela mesma: isto é
o que Kant denomina autonomia moral.
Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à
qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos
do querer). O princípio da autonomia é, portanto: não escolher senão de modo a
que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo,
como lei universal. (Kant, 2007, p. 85).
4. A boa vontade e o imperativo categórico
"Neste mundo, e
até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom
sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade" (Kant, 2007, p.
21). Com esta frase Kant começa a "Fundamentação da Metafísica dos
Costumes". Retomando o conceito de uma boa vontade já utilizada mais
acima, deve-se agora perguntar: o que entende Kant por uma boa vontade? Uma
vontade, com efeito, é aquela que age por dever, quer dizer, não por interesse,
ou por inclinação, ou ainda, por desejo (Kant, 2007, p. 26). E o que é agir por
dever? Nada mais é que agir por reverência ou respeito à lei moral que a
vontade se dá a si mesma.
Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei
[...]. Só pode ser objeto de respeito e, portanto, mandamento aquilo que está
ligado à minha vontade somente como princípio e nunca como efeito, não aquilo
que serve à minha inclinação, mas o que a domina ou que, pelo menos, a exclui
do cálculo // na escolha, quer dizer a simples lei por si mesma (Kant, 2007, p.
31).
Uma boa vontade seria
então aquela que não seja movida para a obtenção de um fim ou impelida por
alguma inclinação ou desejo em relação a um objeto, pois só com ela os demais
bens, e até mesmo a felicidade pessoal, adquirem valores dignos de apreciação,
já que “[...] a boa vontade parece constituir a condição indispensável do
próprio fato de sermos dignos da felicidade” (Kant, 2007, p. 27).
Na mesma linha, Kant
distingue aqui entre agir "por dever" e agir "conforme ao
dever". Pode ocorrer que alguém aja por algum interesse particular e esse
procedimento coincida com a lei moral; nesse caso ele está agindo
"conforme ao dever" (Kant, 2007 p. 27).
Uma pessoa age
"por dever", pelo contrário, quando sua ação não persegue nenhum
interesse particular, nem é o resultado de uma inclinação ou um desejo, senão
que está motivada somente por reverência ou respeito à lei moral,
independentemente de que essa ação possa ter consequências positivas ou
negativas para quem a realiza; agir por dever é, portanto, agir moralmente, que
pressupõe a ação apurada de qualquer realidade sensível e de intenções
individuais
Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral,
não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina;
não depende, portanto, da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio
do querer segundo o qual a ação, abstraindo de todos os objetos da faculdade de
desejar, foi praticada (Kant, 2007, p. 30).
Não que todo agir por
intenção seja proibido ao homem, mas que por si mesma nenhuma intenção (nem
inclinação) pode ser objeto da moralidade, devido a sua ligação com o efeito
esperado que permanece no campo da experiência sensível, mas apenas o dever
porque se “praticasse a ação sem qualquer inclinação, simplesmente por dever,
só então é que ela teria o seu autêntico valor moral (Kant, 2007, p. 28).
A lei moral, como já
foi confirmado, se baseia na noção de dever, e na medida em que a lei moral
pretende regular as condutas dos homens há de conter alguma ordem ou algum
mandato. Mas como a lei moral é universal e necessário, o mandato que contenha
há de ser categórico, quer dizer, não pode estar submetido a nenhuma condição
(não pode ser hipotético). Kant chamará imperativo categórico à fórmula na qual
se expressa esse mandato ou ordem da lei moral, como se viu acima.
Ora, como a lei moral
não pode conter nada empírico, o imperativo categórico em que se expressa
tampouco poderá ter nenhum conteúdo empírico, mas apenas a forma pura da lei
moral. Na Fundamentação da Metafísica dos costumes, Kant apresenta três
formulações distintas do imperativo categórico:
1.
"Age apenas segundo uma máxima tal que
possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal" (Kant, 2007,
p. 59).
2.
" Age
como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal
da natureza" (Kant, 2007, p. 59).
3.
" Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca // simplesmente como meio” (Kant, 2007, p.
69).
Nenhuma destas
formulações contem nada empírico, senão apenas a forma da moralidade. Não diz
como deve ser o comportamento humano concretamente, não dá nenhuma norma e
tampouco propõe nenhum fim interessado. Ao mesmo tempo, contém uma exigência de
universalidade e necessidade pela representação objetiva da lei expressada no
imperativo categórico, porém, garantindo a autodeterminação da vontade, porque
as máximas da ação devem ser tomadas de acordo com a tal lei, surgida dela
mesma.
Da pressuposição desta ideia decorreu, porém também a consciência
de uma lei de ação que diz que os princípios subjetivos das ações, isto é, as
máximas, têm que ser sempre tomados de modo a valerem também objetivamente,
quer dizer a valerem universalmente como princípios e, portanto, a poderem
servir para a nossa própria legislação universal (Kant, 2007, p. 97).
A vontade, com efeito,
não é determinada por nenhum elemento empírico, porquanto não recebe uma ordem
heterônoma e, portanto, ela é livre; e o imperativo categórico pelo qual ela é
regulada não contém nenhuma norma concreta de conduta, razão pela qual a
vontade terá que se dar a si mesma a norma de conduta, sendo, dessa maneira,
boa e autônoma.
A vontade absolutamente boa, cujo princípio tem que
ser um imperativo categórico, indeterminada a respeito de todos os objetos,
conterá, pois, somente a forma do querer em geral, e isto como autonomia; quer
dizer: a aptidão da máxima de toda a boa vontade de se transformar a si mesma
em lei universal é a única lei que a si mesma se impõe a vontade de todo o ser racional,
sem supor qualquer impulso ou interesse como fundamento (Kant, 2007, p. 91).
Conclusão
Kant considera que
para se formular um juízo sobre as ações e determinar se elas são boas ou más é
preciso relacioná-las com a lei moral. Só assim se pode declarar que uma pessoa
agiu moralmente se motivada por essa lei. Mas qual é essa lei? De onde provem?
Em relação a estas perguntas, está implícito o apriorismo kantiano da razão
enquanto pura, onde repousa a lei moral. Este apriorismo consiste em uma abstração
de toda realidade empírica – quer dizer, da experiência que cada indivíduo em
particular acumula no decorrer de sua vida – dado que a experiência proporciona
em cada indivíduo diferentes formas de conceber o que é o bom e mau em relação
a algum efeito esperado da ação, dando a conhecer assim sua contingência e,
portanto, a experiência não pode ser a base da lei moral.
Assim, quando alguém
age considerando que sua ação foi boa, geralmente porque a faz em vista de um
efeito, para outra pessoa essa mesma ação pode ser antiética ou simplesmente
má, se considerada desde o ponto de vista da finalidade de tal ação. Dessa
forma se percebe a contingência da estrutura de uma moral com bases empíricas,
pelo que não se pode fundar na experiência uma lei que se considere objetiva e
igual para todos os homens no campo da moralidade. Daí, Kant desenvolve um
exame rigoroso da razão prática para determinar seus limites a priori, de tal
forma encontrar o princípio supremo expressado no imperativo categórico que
dirija às ações humanas, a qual ele chamará lei moral.
Se, de esta forma, a
lei nasce da própria razão do homem, então, sua dignidade e liberdade não serão
objeto de corrupção das heteronomias, mas serão preservadas delas, de tal forma
que cada pessoa, obedecendo a sua própria razão, realize suas ações conservando
sua autonomia.
Referências
Kant, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.
Tradução de Paulo Quintela. 70. Ed. Portugal – Lisboa; Biblioteca nacional de
Portugal, 2007.
______. Crítica da Razão Prática.
Tradução de Afonso Bertagnoli. 2. Ed. São Paulo; S. A., 1959. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/razaopratica.pdf
Leite, Flamarion Tavares. 10
Lições sobre Kant. 7. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
Morelli Matos,
José Claudio (org.). Filosofia e interpretação. In: Oliveira de Brito, Evandro.
Ler e interpretar a obra kantiana fundamentação da metafísica dos
costumes. Florianópolis: UDESC, 2011, p. 32-38.
STUDIA KANTIANA.
Santa Maria, RS: Revista da sociedade Kant brasileira, n. 9, dez. 2009.
Disponível em: http://www.sociedadekant.org/wp-content/uploads/2012/10/STUDIA-KANTIANA9.pdf
[1] Aluno do terceiro semestre do curso de
Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) – Unidade Lorena.
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