Concepção moral kantiana
Licenciando de Filosofia Unisal Lorena-SP
E-mail: alissonsantos14@hotmail.com
É possível afirmar que a moral kantiana possui como
interrogação central, como era de se esperar, a questão da problemática da
ética, “o que devo fazer?”. Kant se empenha em encontrar uma resposta a tal
pergunta que possa valer para todos. Há duas obras principais de Kant nas quais
ele procura responder a esta questão, são elas: Fundamentação da Metafisica dos costumes (2002A) e Crítica da Razão Prática (2005).
Na obra Crítica da
Razão Prática, Immanuel Kant apresenta a vontade como sendo determinada por
princípios práticos, estes podem ser: subjetivos, quando o sujeito age tendo em
vista apenas a sua vontade; ou objetivo, quando o sujeito tem em vista a
vontade de tudo ser natural. Os princípios práticos subjetivos recebem o nome
de máximas, já o objetivo recebe o nome de lei prática, lei moral ou lei
universal.
Segundo Kant, toda ação para ser moral deve ser tomada
segundo a lei prática, que como apontado acima, deve nortear as máximas. Para o
filósofo, as máximas podem ser morais, amorais, não tendo um valor moral, ou
imorais, quando contrária à lei moral.
Para Kant, o conhecimento prático é aquele que trata dos
fundamentos e determinações da vontade, no entanto, é importante ressaltar que,
para o autor, as regras práticas são sempre um produto da razão, sejam conforme
ou não à lei moral. Para o autor, a razão não tem apenas o papel de conhecer a
realidade, compete a ela também elaborar e pensar sobre os princípios que
determinam as ações humanas.
Kant afirma que tal regra prática objetiva é um imperativo
categórico, o qual imprime no homem um dever ser, imposto a tudo ser dotado de
razão, que deve ser este o fundamento único da vontade. Há também para o
imperativo hipotético.
Os imperativos hipotéticos referem-se a um preceito prático
que não é uma lei, mas é ele também um moderador das ações que são tomadas pela
inclinação da vontade a outra coisa senão a ação em si mesma. O imperativo
categórico é aquele que se refere diretamente à vontade, uma regra a priori
praticamente exata (KANT, 2012).
As ideias introduzidas no parágrafo anterior serão melhor
desenvolvidas no próximo item, tem-se como intenção trazer uma abordagem mais
específica do conceito de imperativo categórico e, consequentemente, o de
imperativo hipotético, sendo estes as respostas de Kant à pergunta central e
fundante dá ética e como aquilo que deve orientar a vontade e a ação humana.
1
Imperativo categórico
Como introduzido no item anterior, para Kant o homem deve
agir a partir da lei prática universal, a qual é comum a todo ser racional.
Trata-se de uma lei moral possível de ser replicada, repetida por toda a
humanidade (daí a necessidade de esta lei moral possuir um caráter universal).
Na ética Kantiana, tal lei universal do agir recebe o nome
de Imperativo categórico, este transmite ao homem, em sua ação, um dever ser.
Isto é, guia o homem no que deve fazer independente das consequências de sua
ação. Kant, desta forma, coloca-se contrário às teorias morais vigentes em sua
época, e até os dias de hoje, como a teleologia de Aristóteles e o hedonismo
(amor a si próprio) de Epicurio (JOLIVET, 1976).
Ambas as filosofias, aristotélica e epicurista, têm a ação
como um meio de se atingir um fim – a felicidade para Aristóteles e o prazer
para Epicurio – possuindo um caráter utilitarista e pragmático.
Kant coloca-se contrário a esta
posição ao afirmar que o agir deve ser um fim em si mesmo. A crítica de Kant à
busca pela eudaimonia e ao amor
próprio consiste em que tendo como concepção de agir moral igual a agir para um
fim pode se cometer o erro ilustrado abaixo:
O princípio da felicidade, embora possa ministrar
máximas, não pode nunca facultá-las tais que resultem aptas para as leis da
vontade, ainda mesmo se tomadas como objeto a felicidade universal [...] pode apresentar regras que, a meio termo, são na
maioria das vezes exatas, mas não regras que sempre e necessariamente devem ser
verdadeiras, não podendo, por conseguinte, assentar sobre tal princípio lei prática alguma. (KANT, 2005, p. 38)
Assim sendo, sua crítica consiste na impossibilidade de
tornar estes princípios morais universais. Para Kant, uma lei moral “[...] é
concebida como objetivamente necessária, dado que deve valer para todo aquele
que possui razão e vontade.” (2005, p. 39).
Kant não reprova a ideia de que o homem passa obter a
sensação de prazer ou felicidade por meio de suas ações, porém este deve estar
submetido à lei moral, ou seja, pode-se buscar a felicidade e o prazer desde
que as ações tomadas para tal estejam dentro dos limites da justiça.
Esta forma legisladora universal comum a todo homem é
facultada pela razão pura que “[...]é por si mesmo prática.” (KANT, 2005, p.
33). Ao afirmar-se que esta provém da razão pura é o mesmo de se dizer que ela
se refere a uma lei a priori, e, para
Kant, esta deve ser determinadora da vontade. Tal afirmação fica clara quando
discute que:
A regra
prática é, portanto, incondicionada, sendo, por conseqüência, representada a priori como uma proposição
categoricamente prática, em virtude da qual a vontade é determinada, objetiva,
absoluta e mediatamente (pela mesma regra prática que aqui evidentemente é
lei). (KANT, 2005, p. 32)
Com o conceito de
lei, evidentemente, Kant aborda o imperativo categórico, que consiste na
seguinte afirmação: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer-te
sempre com princípio de uma legislação universal” (KANT, 2005, p. 32). O
filósofo, no mesmo texto, afirma que a lei moral distingue o que nos é
aconselhado do que somos obrigados a fazer.
Seguindo a lógica apresentada até o momento, pode-se ter a
seguinte noção do modo de agir de todo ser dotado de razão e vontade: todo
homem possui máximas, as quais são para ele preceitos práticos elaborados para
si mediante o uso da razão. Elas têm por finalidade nortear a ação de cada
homem, porém, as máximas não podem ser consideradas regra ou lei moral por
serem subjetivas, podendo conter patologias.
Segundo Kant, para averiguar se uma máxima é moralmente boa
deve-se submetê-la ao imperativo categórico. Isto se dá da seguinte forma:
Alguém
pode adotar o axioma de não suportar qualquer ofensa sem vingança,
compreendendo, todavia, que isso não constitui nenhuma lei prática, mas apenas
sua máxima e que, de modo inverso, como regra para a vontade de todo ser
racional, idêntica máxima não pode concordar em si mesma. (KANT, 2005, p. 20)
Fica claro, nesse ponto, que a ação não deve ser tomada a
partir de qualquer sentido[1] (prazer, dor, indiferença,
entre outros), mas a partir da razão pura prática, o imperativo categórico.
Assim sendo, se por um lado temos as máximas como princípios subjetivos, por
outro temos o imperativo categórico como princípio objetivo e universal que se
sobrepõem a qualquer interesse do homem.
Apresenta no decorrer da Crítica da razão prática uma outra forma de averiguar a validade
moral de uma ação, se esta deve ou não ser realizada. Propõem-se, junto ao
imperativo categórico, um imperativo hipotético, este corresponde a seguinte
sentença: “Quem quer que queira um fim deve querer os meios” (KANT. apud GUYER,
2009, p. 386). Exemplificando, um estudante que deseja tirar boas notas deve
também querer esforçar-se mais em seus estudos, sendo que os estudos são os
meios necessários para o fim desejado.
Neste sentido, o imperativo hipotético está de acordo com o
imperativo categórico, mas, suponhamos que o aluno se decida tirar boas notas
(possui uma finalidade) e para isso determina-se, de forma ilícita, copiar de
algum aluno na hora da prova (possui um meio). Segundo a moral Kantiana, tal
ação não deve ser realizada, caso esta ação fosse universalizada – exigência do
imperativo categórico – resultaria na invalidade deste tipo de avalição
individual, na qual o sujeito por meios ilícitos buscaria obter uma boa
pontuação.
Uma má compreensão da moral Kantiana pode gerar uma leitura
determinista sobre as questões de liberdade e autonomia humana. Mediante esta
realidade, vê-se necessário este próximo item entendido como um desdobramento
do imperativo categórico.
1.1
Autonomia e liberdade do homem como fruto do esclarecimento
Kant, na obra crítica
da razão prática (2005), dedica um teorema, uma espécie de subcapítulo, a
duas questões específicas, a autonomia e a liberdade. Ao se falar de um agir
pelo dever, pode-se ter a impressão de que esta imposição necessária do
princípio universal para uma boa vontade anula a ideia de autonomia e a
liberdade do indivíduo.
As concepções que entendem desta forma são as posições de
filósofos que tomam a liberdade como livre-arbítrio (JOLIVET, 1997), porém,
para Kant, a liberdade possui dois sentidos (KANT, 2005, p. 35), um deles
negativo e outro positivo.
A liberdade no sentido negativo compara-se a uma
“autolegislação”, a visão de liberdade enquanto abandono aos desejos do sujeito
como determinadora de sua ação. O filósofo a reprova pelo fato destes terem a
liberdade igual ao livre-arbítrio – escolha –, esta concepção foge da ideia de
uma ação pelo dever, pois o livre-arbítrio, para Kant, “segue qualquer impulso
ou inclinação, não impondo a vontade a si mesma a lei ... desta forma nunca deve
conter em si a forma legisladora universal [...]” (2005, p. 35).
A liberdade, no sentido positivo, está relacionada àquela
que conduz o homem a autonomia por meio do esclarecimento. O homem é livre
quando este, em pleno uso de seu livre-arbítrio, realiza suas ações por meio da
razão pura prática, isto é, sem nenhuma interferência dos sentidos, tendo como
base o princípio moral universal.
Referente à concepção da liberdade negativa, é por meio
desta que se realizam ações conforme à lei moral. Para Kant, esta não se torna
uma ação moral por não ser tomada pela razão pura prática, podendo ser apenas
um convencionalismo. O simples fato de ter-se interferência das experiências em
uma ação faz com que ela perca o seu “mérito” moral.
Sendo assim, a autonomia pode se definir da seguinte forma:
capacidade de realizar ação livremente (escolha) por meio da razão pura
prática, tendo como finalidade a ação nela mesma.
Um erro comum o qual não dever ser cometido ao ler-se Kant
é entender “a ação como um fim em sim mesmo” como uma “negação de causalidade”,
o que não é presente no discurso do filósofo, pois ao afirmar um imperativo
hipotético, em que se diz que quem quer um fim deve querer também o meio, já é
presente a relação de causalidade das ações. Todavia, é presente em Kant,
sobretudo no quesito educação, um rigorismo no cumprimento do agir categórico.
(KANT, 2002B)
Referências
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Ética a Nicômaco. Trad. Leonel
Vallandro e Gerd Bornhem. São Paulo: Abril S/A Cultura e Industrial, 1973.
GUYER, Paul (org.). Kant. Trad. Cassiano Terra
Rodrigues. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2009.
JOVILIVET, Régis. Curso de
filosofia. Trad. Eduardo Prado de Mendonça. 12. ed. Rio de Janeiro: Agir,
1976.
KANT,
Immanuel. Crítica da razão Pura.
Trad. Fernando Costa Mattos. Bragança Paulista: Vozes, 2012.
______.
Crítica da faculdade do Juízo. Trad.
Valerio Rohden, António Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2010.
______.
Crítica da razão pura. Trad. Lucimar
A. Coghi Anselmi, Fulvio Lubisco. São Paulo: Martins Claret, 2009.
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Crítica da razão prática. Trad.
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Fundamentação da Metafisica dos Costumes
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______. Sobre a pedagogia. Trad. Francisco C.
Fontanella. Piracicaba: UNIMEP, 2002B.
SCRUTON, Roger. Uma breve história da filosofia moderna.
Trad. de Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
MAGALHÃES,
Kézia Pimentel; MAROJA. Ângela. A
filosofia prática de Kant: Deontologia e Teleologia. Revista Científica da
Universidade Federal do Pará – UFPA, Pará, n. 03, mar. 2002.
[1] Kant é contrário princípios da
ação que procedem dos sentidos pelo fato de este buscar para à ação uma lei
formar e universal, o que é contrária a primeira, sendo ela dependente da
receptividade do sujeito e a existência de um objeto. Kant coloca a
determinação do arbítrio pelos sentidos como sendo da mesma classe do hedonismo
– amor correlativo por si mesmo – e da teleologia – a busca da felicidade como
fim. (KANT, 2005)
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