Democracia em Amartya Sen



Democracia
No capítulo anterior, demos início à discussão que fez uma tratativa dos direitos humanos e sua história e alguns diálogos com outros autores. Nesse próximo capítulo, abordaremos a importância da democracia e sua participação no desenvolvimento econômico e das liberdades políticas.
A democracia não é só para o ocidente
Muitos argumentam que a democracia só serve para regimes políticos que se localizam no ocidente e que não daria certo nos regimes políticos orientais, mas foi no “siglo XX que la ideia de democracia se establecio como la forma “normal” de gobierno para cualquier nación que perteneciente a Europa, América, Ásia o África. [1]” (SEN, 2009, 57), pois eles acreditam que não se conhece a culturais orientais a fundo para quererem empregar uma democracia. Usa a intervenção militar no Iraque como um argumento para essa tese da não aceitação da democracia no oriente.
A crença que a democracia não floresceu em qualquer lugar do mundo, mas apenas no Ocidente, é muito difundida e frequentemente externada. A ela se recorre também para explicar acontecimentos contemporâneos. Por exemplo, a culpa dos imensos problemas encontrados após a intervenção no Iraque é atribuída, em alguns casos, não à natureza peculiar da desinformada e mal concebida ocupação militar de 2003, mas sim a uma dificuldade imaginária que considera a democracia e a razão pública inadequadas para as culturas e tradições de países não ocidentais como o Iraque. (SEN, 2011, 356)
Temos que ultrapassar o pensamento que a democracia seja um sistema de participação de todos na política como um sistema exclusivo dos países europeus e americanos.
La adhesión a la idea de democracia como regla general para todos, ya sea impuesta a través de organismos nacionales o internacionales o gracias a la labor de los activistas de derechos humanos, se ve frecuentemente combatida sobre la base de que envuelve uma imposición de los valores y prácticas de Occidente em sociedades no occidentales. El argumento va mucho más allá del reconocimiento de que la democracia es uma práctica predominantemente occidental, como ciertamente lo es. El problema parte de la suposición de que la democracia es uma idea cuyas raíces pueden encontrarse única y exclusivamente en el pensamento occidental, vinculado unicamente a Europa durante mucho tiempo. (SEN, 2009, p.11)[2]
 Esse pensar político é para todos, mas precisamos aprender a dialogar e a implantar com mais coerência o sistema participativo nos países fora desse eixo europeu e americano. Os países em desenvolvimento têm força e capacidade para também vivenciar a democracia em aspecto completo, é preciso começar a colocar em prática e ter uma maior participação nas decisões de nossas vidas e país. Mesmo que alguns críticos à democracia tendam a não aceitar a participação da população nas decisões, precisam pensar em como refrear esse anseio pela participação de alguns que estudam e entendem o processo democrático.
Os críticos a democracia – não importando quão vigorosamente a rejeitem – precisam achar alguma forma de enfrentar o profundo fascínio pela governança participativa, que continua sendo relevante atualmente e muito difícil de erradicar (SEN, 2011, 358)
Sen vai utilizar de John Rawls o termo do “exercício da razão pública” que não é somente a participação nas eleições (vamos ao dia da eleição escolhermos um candidato que vai nos representar por um determinado tempo e não faço mais nada até a próxima eleição) os candidatos nos representam, mas também podemos opinar e viver num sistema democrático válido e participativo.
Dos vários autores que Sen tenta um diálogo, dois nos chamam atenção que são John Ralws[3] e Jürgen Habermas[4] que darão uma nova visão sobre o processo democrático com seus escritos.
Es más, los defectos de ambas residen originamente em la tentativa de ver a la democracia de forma excesivamente restringida y estrecha – exclusivamente em términos electorales y no en términos mucho más amplios, em lo que John Rawls ha llamado “el ejercicio de la razón pública”. Este concepto mucho más vasto y rico inclye la posibilidad de los ciudadanos participien em el debate político y, con ello, de estar em disposición de influir en las opciones relativas a los asuntos públicos. Para entender que las dos líneas de ataque a la democratización están equivocadas, resulta crucial apreciar que la democracia tiene demandas que trascienden a la urna electoral. (SEN, 2009, 12)[5]
Sen vai trabalhar a questão da ideia de democracia deliberativa e a própria questão de deliberação. Isto ocorre quando o cidadão toma consciência de seus deveres e direitos e troca opiniões e discute sobre respectivos assuntos [SMG1] e principalmente políticas públicas. Sobre as possíveis reformas que estão para serem votadas no congresso, quantos dos cidadãos realmente têm ações deliberadas para argumentar e debater sobre esse tema e como elas estão sendo tratadas pela mídia. Deliberação é algo caro para um bom funcionamento da democracia.
Em la perspectiva más amplia del debate público, la democracia debe otorgar un lugar capital a la garantia de la discusión libre, y a la interacción nacida de la deliberación, tanto em el pensamento como em la prática política – y no sólo gracias a las elecciones o durante las elecciones. Lo que se requiere, como observa Rawls, es salvaguardar la “diversidad de doctrinas, el hecho del pluralismo”, que es central para la “cultura pública de las democracias modernas”, y que debe ser assegurado en uma democracia por los “derechos y libertades básicos”. (SEN, 2009, 14)[6]
O pensamento habermasiano da argumentação pública tem muito mais aspectos que o próprio pensamento de Rawls, Sen mesmo afirma isso. O que chama a atenção de Sen é o alcance do esclarecimento que ele faz na dupla presença do discurso político “questões morais de justiça” e “questões instrumentais de poder e coerção”. (SEN, 2011,358)
O importante é percebemos o papel principal da democracia na vida das pessoas em sociedade e sua participação em tudo que diz respeito à argumentação de razão pública e até mesmo a eficácia das eleições dependem desse pensamento e atitude. Por exemplo, a liberdade de expressão que é assegurada pelos sistemas democráticos como os acessos às informações e com possiblidade de discordância das propostas e decisões tomadas.

O papel crucial da argumentação pública na prática da democracia coloca todo o tema da democracia em estreita relação com o tópico central deste livro, isto é, a justiça. Se as exigências da justiça só podem ser avaliadas com a ajuda da argumentação pública e se essa argumentação está constitutivamente relacionada com a ideia de democracia, então existe uma íntima conexão entre a justiça e a democracia, que partilham características discursivas (SEN, 2011, 360)


Democracia e a mídia
Como já comentamos da mídia no capítulo passado, é novamente importante falarmos de uma outra forma, mas sem perder o essencial. De como a mídia é importante para efetivar aspectos de valores na vida das pessoas que convivem em sociedade.
Quando se tem o primeiro livro impresso no ano de 866 d.C., na China da religião budista (SEN, 2009, 33), é uma grande novidade e de singular relevância para as futuras práticas democráticas e também uma forma de criar uma discussão pública de certo assunto de relevância para a população (educação, saúde, saneamento básico) e entre outros aspectos importantes para o desenvolvimento humano.
Inicialmente vista como medio de propagar el mensaje budista, la innovación em la impresión represento um avance de gran trascendencia em lo que toca a la comunicación pública, ya que icrementó enormemente la oportunidad de la deliberación social.
El compromiso de los estudiosos budistas con la expansión comunicativa tanto em materia religiosa como secular resulta considerablelmente relevante para el entendimiento de las raíces globales de la democracia, aún cuando algumas veces la comunicación tomó la forma de um desacuerdo próximo a la rebelión. (SEN, 2009, 34)[7]
Relato aqui novamente e citando que a mídia tem que ser saudável, longe dos meios que possam usar dela para enganar aqueles que ainda não entenderam o que é um sistema democrático: “Uma mídia livre e saudável é importante por várias razões, e é útil separar as distintas contribuições que ela pode fazer.” (SEN, 2011, 369)
Sen vai dividir as quatro importantes contribuições que a mídia pode oferecer se ela se manter saudável e longe da corrupção e de grupos de interesse. 1 liberdade de expressão, 2 papel informativo, 3 função protetora e 4 formação de valores.
Primeiro é a liberdade de expressão como uma partilha que melhora nossa vida e atitudes, pelo motivo de estar mais antenado no que acontece na nossa realidade local e global. Essa liberdade de expressão nos ajuda com a capacidade de alcançar nossos objetivos.

A falta de liberdade para os meios de comunicação e a suspensão de nossa capacidade de comunicação com os outros têm o efeito de reduzir diretamente a qualidade da vida humana, mesmo que o regime autoritário que impõem essa supressão seja muito rico com relação ao produto nacional bruto (SEN, 2011, 370)

Segundo é o caráter informativo que a mídia tem. Aqui podemos mencionar o caso da “lava jato” e também quando se teve o motivo pró-impeachment que aconteceu e está acontecendo em nosso país. A mídia saudável deveria informar com detalhes essa operação sem restrições e muito menos afixada em com algum partido, esse segundo ponto é importante, pois esta vai formar as opiniões de grande parte da população.
A mídia corporativa brasileira age como os verdadeiros organizadores dos protestos e como relações-públicas dos partidos de oposição.
Os perfis no Twitter de alguns dos repórteres mais influente (e ricos) da Rede Globo contém incessantes agitações anti-PT. Quando uma gravação de escuta telefônica de uma conversa entre Dilma e Lula vazou essa semana, no programa jornalístico mais influente da Globo, Jornal Nacional, fez seus âncoras relerem teatralmente o diálogo, de forma tão melodramática e em tom de fofoca, que se parecia literalmente como uma novela distante de um jornal causando ridicularização generalizada nas redes. (GREENWALD, Glenn. A midia age como organizadora dos protestos e relações públicas da oposição. 2016. Disponível em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/glenn-greenwald-a-midia-brasileira-age-como-organizadora-dos-protestos-e-relacoes-publicas-da-oposicao/>. Acesso em: 02 ago. 2017)[8][SMG3] 
A mídia tem o papel de informar e não posicionar a sua opinião de forma que o cidadão que esteja assistindo se sinta livre para tomar sua decisão de forma racional e crítica.
A função informativa da imprensa diz respeito não apenas à notícias especializadas (por exemplo, sobre os avanços científicos ou inovações culturais), mas também à informação geral que mantém informado o público em geral. Mais ainda, o jornalismo investigativo pode desenterrar a informação que de outro modo teria passado despercebida ou permanecido desconhecida (SEN, 2011, 370)

O terceiro aspecto é a força ou função protetora que a mídia deve exercer na sociedade e na vida das pessoas, principalmente daqueles que são excluídos dos meios sociais dando voz aos negligenciados e desfavorecidos e que pode contribuir enormemente para assegurar os direitos humanos das pessoas envolvidas.

Os governantes de um país com frequência estão isolados, em suas próprias vidas, da miséria das pessoas comuns. Eles podem enfrentar uma calamidade nacional, como uma fome coletiva ou algum outro desastre, sem compartilhar o destino de suas vítimas. No entanto, se os governantes têm de encarar as críticas da opinião pública nos meios de comunicação e enfrentar as eleições com uma imprensa sem censura, eles têm um preço a pagar e isso lhes dá um forte incentivo para tomar medidas oportunas para evitar essas crises. (SEN, 2011, p. 370)


O quarto elemento que a mídia pode proporcionar à sociedade é a questão de formação de valores. Esse aspecto é formado pela interação social (relação com o outro em um longo dialogo) e a mídia tem essa capacidade de criar essa interação e como Sen mesmo coloca é uma interação a partir de uma discussão arrazoada de valores.

Novas normas e prioridades (como a redução do tamanho das famílias e da frequência de gestações, ou o crescente reconhecimento da necessidade de equidade entre os gêneros) emergem através da discussão pública, e é sempre esta que difunde as novas normas para diferentes regiões (SEN, 2011, 370)

A mídia deve salvaguardar a liberdade de expressão, papel informativo, função protetora e formação de valores. Como esses quatros aspectos a mídia ajuda e muito na efetivação dos direitos humanos e principalmente à compreensão da democracia não como um sistema político somente do ocidente também do oriente [SMG4] (como vimos no início do capítulo). Tendo também as questões dialogais com todos que participam dos sistemas globais e locais.

Enfim, uma mídia em bom funcionamento pode ter um papel extremamente importante no sentido de facilitar a argumentação pública em geral, cuja importância para a busca da justiça é um tema recorrente de livro. A avaliação necessária para a ponderação da justiça não é um exercício solitário, mas envolve inescapavelmente o debate. Não é difícil ver por que uma mídia é importante não só para democracia, mas para a busca da justiça em geral. Uma “justiça sem debate” pode revelar-se uma ideia opressiva (SEN, 2011, 371)

 Com esses quatros aspectos de uma mídia saudável tem um valor que contribuiu para falarmos e praticarmos a justiça e com a efetivação dessa ideia nas pessoas já é um ganho. Assim, podermos falar mais ainda das liberdades políticas que vão surgir nos debates e vamos dar mais detalhes dessa liberdade no próximo capítulo.

Democracia ou desenvolvimento econômico
Sen nos pergunta se é importante em primeiro lugar ter um sistema político democrático ou resolver primeiramente as questões do desenvolvimento econômico “Frecuentemente se afirma que los sistemas no democráticos son más convenientes para generar desarrollo económico” (SEN, 2009, 63)[9]. Os dois são importantes, mas cada um tem um preço a ser pago e sua importância no real desenvolvimento da pessoa humana.
Em contraste com o mecanismo mediado pelo crescimento, o processo conduzido pelo custeio público não opera por meio do crescimento econômico rápido, e sim por meio de um programa da hábil manutenção social dos serviços de saúde e outras disposições sociais relevantes. (SEN, 2010, 68)
Partiremos dos dados empíricos, contudo iremos dialogar e passar pelo pensamento de Sen sobre esse assunto do desenvolvimento da política ou do econômico. Se perguntarmos para uma pessoa desfavorecida de recursos financeiros, ela vai ter certeza que o mais importante é sanar essa falha econômica. [SMG5] Mas será que é o mais importante e o principal a ser feito?
O processo conduzido pelo custeio público não espera até que ocorram elevações monumentais nos níveis per capita da renda real; funciona dando-se prioridade à provisão de serviços sociais (particularmente serviços de saúde e educação básica) que reduzem a mortalidade e melhoram a qualidade de vida. (SEN, 2010, 68)
Sobre esse questionamento se é importante ter democracia ou desenvolvimento econômico, a conferência de Viena de 1993 sobre direitos humanos não teve dúvida em defender a democracia como o principal para o real desenvolvimento da pessoa humana. Nesse caso a democracia ganha uma roupa como “liberdade política” e “direitos civis”.

Por que se preocupar com a sutileza das liberdades políticas diante da esmagadora brutalidade das necessidades econômicas intensas? Essa questão, bem como outras afins que refletem dúvidas quanto à urgência da liberdade política e direitos civis, tomou vulto na conferência de Viena sobre direitos humanos...delegados de vários países argumentaram contra aprovação geral de direitos políticos e civis básicos em todo planeta, particularmente no Terceiro Mundo. Em vez disso afirmou-se, o enfoque teria que ser sobre “direitos econômicos” relacionados a importantes necessidades materiais (SEN, 2010, 194)

Segundo Sen, não é difícil pensar que seria um luxo para os países em desenvolvimento ficar pensando nos processos do sistema democrático para que a população obtenha possíveis liberdades políticas e direitos civis, ao invés de se concentrar no que seria “realmente importante” o desenvolvimento com o aumento da economia, mas isso seria um erro e não necessariamente teria tanta vantagem “La democracia no es un lujo que puede esperar la llegada de la prosperidade general” (SEN, 2009, 81)[10], pois não teria um real desenvolvimento das liberdades[11] fundamentais das pessoas, mesmos as pessoas com necessidades econômicas precisam de voz política (SEN, 2009, 80). A democracia teria inicialmente três vantagens.

1)    Sua importância direta para a vida humana associada a capacidades básicas (como a capacidade de participação política e social)
2)    Seu papel instrumental de aumentar o grau em que as pessoas são ouvidas quando expressam e defendem suas reivindicações de atenção política (como as reivindicações de necessidades econômicas);
3)    Seu papel construtivo na conceituação de “necessidades” (como a compreensão das “necessidades econômicas” em um contexto social) (SEN, 2010, p. 194)

Nesse processo de democracia, o terceiro elemento pode nos despertar um desejo maior de colocar em prática e tentar conhecê-lo e estudá-lo melhor, pois o sistema democrático nos possibilitará um conhecimento maior do outro, criando possibilidades de encontros para formarmos valores e prioridades na sociedade. (SEN, 2009, p. 74)
Aqueles que são contra a liberdade e democracia, mas a favor de que o importante primeiro é ter o desenvolvimento econômico. Também parte de três aspectos para defender esse argumento.
O primeiro argumento é: “essas liberdades e direitos tolhem o crescimento e o desenvolvimento econômico. ” (SEN, 2010, 196) e essa ideia é conhecida como a tese de Lee[12].
O segundo é a pergunta feita acima se os pobres pudessem escolher entre liberdade política ou desenvolvimento econômico, Lee afirma com toda a certeza que essas pessoas iriam escolher sem dúvidas o desenvolvimento econômico e a solução dos seus problemas financeiros. Existe um silogismo a tese de Lee e da sua veracidade, que a liberdade política estorvaria o desenvolvimento econômico das pessoas que estão vivendo na miséria.

Assim, por esse raciocínio, existe uma contradição entre a prática da democracia e sua justificação: a opinião da maioria tenderia a rejeitar a democracia – dada essa escolha. Em uma variante diferente desse argumento, mas estreitamente relacionada, afirma-se que a questão, de fato, não é tanto o que as pessoas realmente escolhem, mas o que elas têm razão para escolher. Como as pessoas têm razão para querer eliminar, antes de mais nada, a privação econômica e a miséria, têm razão suficiente para não fazer questão das liberdades políticas, que estorvariam suas prioridades reais (SEN, 2010, 196)

O terceiro argumento é novamente aquilo que discutimos no início do capítulo, se a democracia é somente para o ocidente, Lee acredita que realmente a democracia só serve para o ocidente[13], pois o oriente é marcado por uma disciplina rígida e profunda, sem ter necessidade de um sistema democrático e muito menos de liberdade política que atrapalhariam os interesses econômicos do país. (SEN, 2010, p.199 – 201)
Realmente aqueles que precisam de recursos financeiros para se manterem, será que estão se importando se possuem ou não direitos políticos? Para Sen, a resposta dessa pergunta deveria ser submetida a uma eleição democrática, em que se encontraria a liberdade de oposição e expressão. Cada defensor teria oportunidade real e igual de mostrar que seu argumento é o mais válido. Sen mostra que na Índia quando se perdeu o direito político, a população, mesmo a mais pobre, não aderiu a essa perda importante dos direitos políticos em troca do desenvolvimento econômico.

Nessa eleição decisiva disputada em boa medida com base na aceitabilidade da “emergência”, a supressão de direitos políticos e civis básicos foi firmemente rejeitada, e o eleitorado indiano – um dos mais pobres do mundo – mostrou-se tão ardoroso para protestar contra a negação de liberdades e direitos básicos quanto pra queixar-se de pobreza econômica (SEN, 2010, 200)
En esta eleccíon, la lucha se centró en este tema, y la supresión de derechos políticos y civiles básicos fue firmemente rechazada. El electorado indio – uno de los más pobres del mundo – demostró no ser menos enérgico en su protesta contra la negación de las libertades y derechos básicos que en su queja respecto a las privaciones económicas. (SEN,  2009, 82)[14]

Podemos perceber que a população mesmo que pobre não deixou de protestar contra a falta de recursos financeiros. Por outro lado, eles primeiramente protestaram contra a perda de direitos básicos e da liberdade política que foram conquistados durante alguns anos de “lutas”. É importante sim reverter o problema financeiro, contudo é importante que esse processo traga a liberdade política juntamente com os direitos fundamentais da pessoa humana.
Muitos ainda podem questionar essa linha de raciocínio tomada por Sen. Se as pessoas primeiramente vão querer ter suas liberdades garantidas e seus direitos fundamentais, ao invés de tentar primeiro sanar o problema financeiro. Será que as pessoas vão passar fome? Contudo, é o contrário que vai acontecer.
Como já mencionado, nenhuma fome coletiva substancial jamais ocorreu em nenhum país independente com uma forma democrática de governo e uma imprensa relativamente livre. Houve fomes coletivas em reinos antigos e sociedades autoritárias contemporâneas, em comunidades tribais primitivas e em modernas ditaduras tecnocráticas, em economias coloniais governadas por imperialistas.... Mas nunca uma fome coletiva se materializou em um país que fosse independente, que tivesse eleições regulamente, partidos de oposição para expressar críticas e que permitisse aos jornais noticiar livremente e questionar a sabedoria das políticas governamentais sem ampla censura (SEN, 2010, 201)
O processo econômico é bom que aconteça no país, mas sem perder a liberdade de cada indivíduo de opinar, de argumentar, de ser a favor ou contra, uma liberdade fundada em deveres e direitos. Contudo, a democracia, a liberdade política e os direitos civis juntamente com o desenvolvimento econômico são construtivos e juntos podem trazer um desenvolvimento humano satisfatório para aquela determinada região.


Liberdade política no papel construtivo da Democracia
Só a liberdade política ou os direitos civis sozinhos podem ser muito razoáveis e sem interesse, porém quando esses dois elementos são acoplados com a necessidade econômica eles ganham um caráter construtivo. A luta por melhorias ganha um valor diferente e vão saber o motivo que os levaram a protestar por determinada situação.

O exercício de direitos políticos básicos torna mais provável não só que haja uma resposta política a necessidades econômicas, como também que a própria conceituação – incluindo a compreensão – de “ necessidades econômicas” possa requerer o exercício desses direitos (SEN, 2010, 201-202)

Temos que tomar somente um cuidado nesse processo que é a necessidade, pois ela é um parâmetro para sabermos o que realmente é importante e o que meramente sem uma importância primordial. É necessário que tenhamos uma educação básica boa e um plano de saúde custeado pelo governo, pois assim conseguiremos desenvolver muito mais coisas, pelo motivo de termos uma competitividade intelectual e uma saúde boa. Esses dois elementos são primordiais para um bom começo e em seguida vêm as outras necessidades, que darão sentido à liberdade política e à economia.

Por outro lado, sucesso do processo conduzido pelo custeio público realmente indica que um país não precisa esperar até vir a ser rico muito rico (durante o que pode ser um longo período de crescimento econômico) antes de lançar-se na rápida expansão da educação básica e dos serviços de saúde. A qualidade de vida pode ser em muito melhorada, a despeito dos baixos níveis de renda, mediante um programa adequado de serviços sociais. O fato de a educação e o serviços de saúde também serem produtivos para o aumento do crescimento econômico corrobora o argumento em favo de dar-se mais ênfase a essas disposições sociais nas economias pobres, sem ter de esperar “ficar rico” primeiro (SEN, 2010, p. 71)

O papel protetor da democracia pode ser muito abrangente, todavia, enaltecê-la demais corremos um risco muito grande de nos perdemos. “A democracia tem sido especialmente bem-sucedida na prevenção de calamidades” (SEN, 2010, 203) e quando se tem uma calamidade em países mais democráticos que temos acesso ao que acontece por lá, se cria uma onda de solidariedade global que acaba ajudando e muito na reconstrução do país após a tragédia.

É preciso ver a democracia como criadora de um conjunto de oportunidades, e o uso dessas oportunidades requer uma análise diferente, que aborde a prática da democracia e direitos políticos (SEN, 2010, 204)

 A democracia tem seus valores instrumental e seu papel construtivo e a correlação entre eles que definirá como o país vai reagir a certos aspectos. Para uma boa prática vai depender da força que se usa nas oportunidades que temos, como por exemplo, o vigor da política multipartidária, não é preciso criar um partido para cada grupo de interesse, e sim partidos que tenham [SMG6] um programa sólido para um bom trabalho e governo. Outros aspectos a serem levados em conta é o “dinamismo dos argumentos morais e formação de valores” (SEN, 2010, 205) esse papel é importante, um país pode colocar no controle que não existe fome coletiva ou que todos pelo menos fazem uma refeição por dia. Tem seu valor isso, por detrás se esconde uma subnutrição e é preciso que a nossa liberdade política chegue a essa população.

Entretanto, embora devamos reconhecer a importância das instituições democráticas, elas não podem ser vistas como dispositivos mecânicos para o desenvolvimento. Seu uso é condicionado por nossos valores e prioridades e pelo uso que fazemos das oportunidades de articulação e participação. O papel de grupos oposicionistas organizados é particularmente importante nesse contexto. (SEN, 2010, 208)

A busca por essas oportunidades se dá no exato momento que a liberdade política é exercida, que são os debates e discussões públicos e que vai ao longo do processo desempenhando um papel fundamental na construção e na formação de valores. Como ao longo do texto mostramos a importância da democracia, é necessário também que se salvaguardem as condições e circunstâncias que garanta o processo e alcance democrático na sociedade.

Por mais valiosa que a democracia seja como uma fonte fundamental de oportunidade social (reconhecimento que pode requerer uma defesa vigorosa), existe ainda a necessidade de examinar os caminhos e os meios para fazê-la funcionar bem, para realizar seus potenciais. A realização da justiça social depende não só de formas institucionais (incluindo regras e regulamentações democráticas), mas também da prática efetiva. (SEN, 2010, 209)

Esse assunto de democracia é bem complexo e poderia render muito mais discussões, e com isso trouxemos alguns pontos que achamos importante. Mostrando que a democracia pode ser vivida e exercida não só em países do ocidente como muitos afirmam. Sen afirma na sua obra Desenvolvimento com liberdade que onde existe um sistema democrático de verdade não se tem pessoas com estiagem de fome e que a saúde é assegurada para todos [SMG7] e por isso se poder ter democracia em qualquer parte do mundo.
  Para assegurar a democracia com princípios e normas ético-morais é necessário termos uma mídia sem ser monopolizada. O papel da mídia no processo democrático não pode ser partidário, pois, assim, ela não exerce seu real papel na sociedade. Ela precisa ser saudável. Sem transparência não tem informação e conhecimento, isso prejudica o desenvolvimento. Também relacionamos a democracia com o processo econômico e vimos que sim a economia é muito importante, mas precisamos garantir a liberdade política e direito civil para que faça sentido as nossas escolhas. Nesse caminho, percebemos como a liberdade e a economia juntas formam um papel construtivo na sociedade.
Portanto, a democracia é importante para assegurar liberdade e para efetivar os direitos humanos, direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. No próximo capítulo, daremos mais ênfase no assunto relacionado à liberdade no pensamento de Amartya Sen.


[1] Nossa tradução (Século XX a ideia de democracia estabeleceu-se como a forma “normal” de governo para qualquer nação que pertencente a Europa, América, Ásia ou África).
[2] Nossa tradução: “A adesão à ideia de democracia como norma geral para todos, seja imposta a traves de organismos nacionais ou internacionais ou graças à labor dos ativistas dos direitos humanos, vê-se frequentemente confrontada sobre a base que envolve uma imposição dos valores e práticas de Ocidente em sociedades não ocidentais. O argumento encontra-se além dos reconhecimentos de que a democracia é uma prática predominantemente ocidental, como realmente é. O problema parte da suposição de que a democracia é uma ideia cujos alicerces podem encontrar-se única e exclusivamente no pensamento ocidental, vinulado unicamente a Europa durante muito tempo.
[3] John Rawls (1921-2002) Foi um professor de filosofia política na Universidade de Harvad, autor de Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice, 1971), Liberalismo Político (Political Liberalism, 1993) e o Direito dos Povos (The Law of Peoples, 1999).
[4] Jürgen Habermas (1929- ) é filósofo e sociólogo alemão que participa da tradição da teoria crítica e do pragmatismo, sendo membro da Escola de Frankfurt. Dedicou sua vida ao estudo da democracia, especialmente por meio de suas teorias do agir comunicativo (ou teoria da ação comunicativa), a da política deliberativa e da esfera pública. Ele é reconhecido por suas teorias sobre a racionalidade comunicativa e a esfera pública, sendo considerado um dos mais importantes intelectuais contemporâneos.
[5] Nossa tradução: “Ainda mais, os defeitos de ambas residem na sua origem na tentativa de ver à democracia de forma excessivamente restringida e estreita – exclusivamente em termos eleitorais e não em termos muito mais amplos, aquilo que John Rawls tem chamado “o exercício da razão pública ”. Este conceito muito mais vasto e rico inclui a possibilidade dos cidadãos participem no debate político e, com isso, de estar em disposição de incluir nas opções relativas aos assuntos públicos. Para entender que as duas linhas de ataque à democratização estão equivocadas, resulta vital considerar que a democracia tem demandas que transcendem à urna eleitoral”
[6] Nossa tradução: (Na perspectiva mais ampla do debate público, a democracia deve outorgar um lugar importante à garantia da discussão livre, a à intenção surgida da deliberação, tanto no pensamento como na prática política – e não só graças às eleições ou durante as mesmas. O que se requer, como observa Rawls, é salvaguardar a “diversidade de doutrinas, o fato do pluralismo”, que é central para a “cultura pública das democracias modernas”, e deve ser assegurado numa democracia pelos direitos e liberdades básicos)
[7]Nossa tradução: (Inicialmente considerada como meio de propagar a mensagem budista, a inovação na impressão representou uma avance de grande transcendência no que se refere à comunicação pública, já que aumentou enormemente a oportunidade da deliberação social.)
O compromisso dos estudos budistas com a expansão comunicativa tanto na matéria religiosa como laico resulta consideravelmente relevante para o entendimento dos fundamentos globais da democracia, ainda quando algumas vezes a comunicação tomou a forma de um desacordo próximo à rebelião.
[8] Glenn Greenwald (1967 -) é um jornalista, escritor e advogado norte-americano, especialista em Direito Constitucional, que atualmente vive no Rio de Janeiro
[9] Nossa tradução: (Frequentemente afirma-se que os sistemas não democráticos são mais convincentes para gerar desenvolvimento económico).
[10] Nossa tradução: (A democracia não é um luxo que pode esperar a chegada da prosperidade geral)
[11] O tema sobre liberdade terá um desdobramento maior no próximo capítulo.
[12] Lee Kuan Yew foi primeiro-ministro de Cingapura e formulou essa tese.
[13] Assunto do início do capítulo (a democracia não é só para o ocidente)
[14] Nossa tradução: (Nesta eleição, a luta centrou-se neste tema, e a supressão de direitos políticos e civis foi firmemente rejeitada. O eleitorado índio – um dos mais pobres do mundo- demonstrou não ser menos enérgico na sua proposta contra a negação das liberdades e direitos básicos que na sua queixa respeito às privações econômicas)


 [SMG1]Expressão esvaziada de sentido. Quais assuntos?
 [SMG2]PERFEITO!!!  = )
 [SMG3]Verifique as normas da ABNT, não é assim que se cita fonte tirada de site.
 [SMG4]Vários países do Oriente são democráticos. Mais uma vez: você está se referindo ao Oriente Médio.
 [SMG5]O nosso país é democrático e ainda assim existe muita pobreza pelo modelo de desenvolvimento econômico que é e só gera desigualdade social. Será que na prática há real diferença das ações políticas e econômicas, pensando que é uma elite quem está no poder? O que se deve pensar é: que modelo de desenvolvimento garantirá a igualdade de condição de vida a todos? Digo isto, porque nos Estados Unidos há pobreza e ainda assim é considerado um país desenvolvido, no entanto, o modelo implementado ainda é injusto e exclui, principalmente, a população negra.

 [SMG6]Se são os partidos que escolhem os candidatos aos cargos públicos, a nossa liberdade de escolha é fortemente comprometida ou já é restringida!!!!
 [SMG7]Realmente não é o caso dos Estados Unidos!!!!

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