A liberdade como princípio constitutivo em Immanuel Kant
A
liberdade como princípio constitutivo do homem racional
É pelo
uso da razão implantada no homem que distinguirá o que é correto a se fazer, e
como se deve fazer, de maneira hipotética ou categórica, pelo dever ou por
necessidade; mas o que seria capaz de impulsionar o ser humano a agir ou a não
agir moralmente?
O pai do dever nos mostrará
que no campo da liberdade se constitui toda a grandeza e dignidade humana.
Se
o homem não fosse livre, não havia moral, mas apenas submissão, e neste sentido
não poderia ser responsabilizado pelos seus atos. A liberdade é pressuposta
pela própria moral.
“A vontade é uma espécie de causalidade dos
seres vivos, enquanto racionais, e liberdade seria a propriedade desta
causalidade, pela qual ela pode ser eficiente, independente de causas estranhas
que a determinem” (KANT, 2007, p. 93).
É preciso destacar que só
porque o homem é livre pode resistir aos estímulos sensíveis tanto internos
como externos e neste sentido pode ser o legislador supremo de si mesmo. A
liberdade kantiana não deve ser compreendida como poder arbitrário de escolha,
mas sua essência se encontra no poder de autodeterminar-se pela razão, isto é,
pela lei moral.
A razão determina imediatamente a
vontade por uma lei prática, sem mediação de sentimento algum de prazer ou de
dor, nem mesmo de um prazer ligado a esta lei, sendo tal faculdade, necessariamente
prática como razão pura, a que lhe dá um caráter legislativo (KANT, 2004, p.
53).
Ser livre não significa
necessariamente fazer o que se bem entende ou o que se quer, mas fazer o que se
deve, isto é, agir pelo dever. O motivo supremo da ação moral foi substituído
ora pela virtude e sabedoria (Platão), ora pela felicidade como pragava
Aristóteles, ora pelo prazer (Epicuro) ou a recompensa eterna (cristianismo),
que para o autor seriam finalidades subjetivas que exprimem a heteronomia da
vontade; contudo concebe a liberdade como autonomia da vontade que age sem
nenhuma intenção ou finalidade egoísta, mas em detrimento a uma razão universal
e se identifica com ela concretizando toda a sua humanidade.
Mas porque o mundo inteligível contém o
fundamento do mundo sensível, e também portanto das suas leis, sendo assim, com
respeito à minha vontade (que pertence totalmente ao mundo inteligível),
imediatamente legislador e devendo também ser pensado como tal, resulta daqui
que, posto por outro lado me conheça como ser pertencente ao mundo sensível,
terei, como inteligência, de reconhecer-me submetido à lei do mundo
inteligível, isto é à razão, que na ideia de liberdade contém a lei desse
mundo, e portanto à autonomia da vontade (KANT, 2007, p.104).
Neste sentido o autor sempre
procura reafirmar a autonomia da vontade, isto é, pela liberdade que é inerente
ao homem como legislador em sua razão pura prática na dualidade que este
estabelece entre o caráter empírico do sujeito prático no domínio externo, das
paixões e sentimentos e do seu caráter inteligível no qual é como fora
supracitado domínio da liberdade.
Tudo o que tutela (aprisiona)
a razão e consequentemente a liberdade, as regras pré-estabelecidas e
conteúditas, as instituições e as paixões retiram, segundo Kant, a
autossuficiência e autonomia da liberdade que para o autor é entendida em dois
sentidos: positivo e negativo. No primeiro vê a vontade voltada para a lei
moral, ou seja, o agir pelo dever; no segundo a descontaminação da liberdade e
independência da vontade em relação a lei natural, isto é, aos fenômenos.
Por entender todo ser humano como um ser
de liberdade, Kant o desenha como um fim em si mesmo e prende todas as
ramificações morais e filosóficas (essencialistas e existencialistas) em um
único argumento, a saber: a pessoa humana é um ser de dignidade. Impossível
negá-lo, isso seria renunciar à própria humanidade e dessignificar a própria
existência significada enquanto essencialmente humana. Ora, a tradição desde
Agostinho de Hipona já asseverava: é melhor saber que se vive do que
simplesmente viver (CHAVES, 2009, p. 145).
O Pai do criticismo foi o
primeiro a reconhecer que ao homem não se pode atribuir valor (preço), devendo
ser considerado como um fim e não como um meio em si mesmo em função da sua
autonomia enquanto ser racional. Para ele a dignidade é o valor
de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, não é passível de ser
substituído por algo equivalente. Dessa forma, a dignidade é uma qualidade
inerente aos seres humanos enquanto entes morais, na medida em que exercem de
forma autônoma a sua razão prática, constroem distintas personalidades e
subjetividades humanas, cada uma delas absolutamente individual e
insubstituível.
Consequentemente, a dignidade é totalmente e
inseparável da autonomia para o exercício da razão, é por esse motivo que
apenas os seres humanos revestem-se de dignidade.
Em outros termos, o homem não
deve jamais ser utilizado unicamente como meio sem considerar que ele é, ao
mesmo tempo, um fim em si. A dignidade, tal como definida na moral kantiana, é
o primeiro direito fundamental de todo homem, como determina o art. 1° da
Declaração dos Direitos do Homem (1948): "Todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotados de razão e consciência
e devem agir uns com os outros num espírito de fraternidade”. Assim também está
previsto na Constituição Federativa Brasileira sobre os direitos e deveres individuais
e coletivos no art. 5° “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade”.
Kant desapropria a essência do
homem de um dualismo (alma e corpo) discutido e analisado por muito tempo na
escolástica centralizando-o como ser por excelência moral onde ele, (o ser
humano) identifica-se pela liberdade e sua dignidade como pessoa passa a ser
compreendida como um fim em si mesmo que se constrói em face dos fenômenos.
Esta nova maneira de enxergar o homem, possibilitada e analisada por Immanuel
Kant, deu brechas para novos horizontes de possíveis conceitos antropológicos
realizados pelo mundo moderno e contemporâneo como, por exemplo, a criação dos
direitos fundamentais do homem, posteriormente visada como um acordo
internacional atualmente conhecido como Direitos Humanos e a nova
caracterização dos estímulos estruturais do estrito uso da razão em vias
intuitivas dando possibilidades ao estudo mais apurado da subjetividade.
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