As virtudes em Kant

Lucas Santos Correia
Para Kant a doutrina da virtude constitui-se da doutrina geral dos deveres que dizem respeito à liberdade interna, enquanto que para o exercício da doutrina do direito se requer a liberdade externa. Nesse sentido cabe esclarecermos que Kant explica que, outrora, o termo ética significava doutrina dos costumes em geral, que também se chamava doutrina dos deveres. Depois se considerou conveniente que o termo ético se restringisse a uma parte da doutrina dos costumes ou doutrina dos deveres, que não estão submetidos às leis externas, passando a ser chamada na Alemanha de doutrina da virtude. A partir de então o sistema da doutrina universal dos deveres foi dividido em sistema da doutrina do direito, o qual se refere às leis externas e em doutrina da virtude, que se refere às leis internas de cada indivíduo.
Kant, em sua obra A Metafísica dos Costumes, ao tratar do conceito de virtude em geral, o define inicialmente como a fortaleza moral da vontade. Mas, logo acrescenta que esta definição não é completa porque tal fortaleza poderia também dizer respeito a um ser anto (sobre humano) no qual não haveria os impulsos, as inclinações como obstáculos para o cumprimento da lei moral. Um ser santo realiza as suas ações fundamentadas em máximas que estão em conformidade com a lei. Assim sendo, Kant define a virtude desse modo: A virtude é a fortaleza moral da vontade de um homem no cumprimento do seu dever, que é uma coerção de sua própria razão legisladora, na medida em que esta se constitui a si mesma como poder executivo da lei.
A diferença entre a virtude e o vício que, segundo Kant, não se encontra no grau de cumprimento de certas máximas, mas somente na qualidade específica destas (na sua relação com a lei). Ao se referir ao grau de cumprimento das máximas de virtude, Kant está afirmando que seu entendimento difere do de Aristóteles que concebe a virtude como o meio termo entre dois vícios contrapostos, como por exemplo, a boa economia como meio entre dois vícios, a prodigalidade e a avareza. Desse modo, os vícios, para Kant, se fundamentam em máximas contrárias às máximas da virtude, isto é, constituem-se por intenções opostas à lei moral e necessitam ser combatidos através de um esforço por parte do ser humano, visto que a sua vontade não coincide, na grande parte das vezes, com a lei moral. Em outras palavras, é a presença no ser humano do mundo fenomênico e o mundo numérico.
A doutrina da virtude é o lado formal da ética e é mais amplo do que a doutrina dos deveres da virtude que corresponde ao aspecto material da ética. A doutrina da virtude trata das obrigações éticas as quais acompanham ambas, as leis éticas e as leis jurídicas.
Kant afirma que a virtude não pode definir-se como o hábito de praticar ações conformes à lei, pois ela requer que o sujeito agente determine-se a agir pela representação da lei. O hábito é definido por Kant como a agilidade para agir e uma perfeição subjetiva do arbítrio. 
Porém, como Kant esclarece, nem toda a agilidade é um “hábito livre”, um costume que se fundamenta na necessidade por repetição frequente da ação, não se caracteriza como uma ação livre, por ser uma repetição irrefletida e, com efeito, não pode ser um hábito moral. O hábito moral não é uma disposição do arbítrio, mas da vontade, cuja regra adotada é uma faculdade de desejar universalmente legisladora, ou seja, a capacidade objetiva da vontade, o de gerar leis. 
O arbítrio é o lado subjetivo da vontade, aquele que geram máximas e define-se como a consciência da capacidade de realizar a ação, porém se não houver a consciência desse poder então só haverá o desejo. Podemos também dizer que o arbítrio representa a faculdade determinável individual, e a vontade a faculdade legisladora universal. Em Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático, Kant afirma que o hábito é uma necessidade física interna de continuar procedendo do mesmo modo que até agora se procedeu.
Kant explica que ao agir desse modo, não há valor moral nas máximas das ações, uma vez que a liberdade do espírito do ser humano é prejudicada e leva, além disso, à repetição irrefletida do mesmo ato (monotonia), tornando-se com isso ridículo, porque é guiada instintivamente pela regra do hábito, como uma segunda natureza (não humana), atitude que faz sobressair o aspecto animal no ser humano.

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