As virtudes de Kant na Educação

Lucas Santos Correia
Na Metafísica dos Costumes Kant descreve a segunda parte da filosofia prática como:
“a antropologia moral que conteria as condições do cumprimento das leis da primeira parte da filosofia moral na natureza humana, porém somente as condições subjetivas, sejam favoráveis sejam contrárias, a saber: a produção, a difusão e o enraizamento dos princípios morais (na educação nas escolas e na instrução popular), e com ensinamentos similares e preceitos baseados na experiência” (217).

Kant, em um ponto, de fato declara que a pedagogia é a contrapartida da metafísica dos costumes (Metafísica dos Costumes 217), portanto, a teoria educacional de Kant é lida de um modo melhor como um capítulo dentro do seu projeto maior de ética aplicada, onde “aplicada” significa o estudo empírico da cultura e da natureza humana para se encontrar aquilo que auxilia e os obstáculos que existem para a espécie como um todo para levar a cabo os princípios morais a priori.
Isso porque a moralidade para os seres humanos é, na visão de Kant, o resultado pretendido de um processo educacional extensivo já que atrás da educação repousa o grande segredo da perfeição da raça humana (444). A própria moralidade, ao menos no que concerne aos seres humanos, deste modo, pressupõe a educação. A moralidade não pode simplesmente ser um produto causal da educação, mas ela pressupõe a educação como uma pré-condição necessária uma vez que por natureza o ser humano não é um ser moral em absoluto (492).
Para Kant, virtude significa fortaleza moral da vontade. Ela é a fortaleza moral da vontade de um homem no cumprimento do seu dever, que é uma coerção moral de sua própria razão legisladora na medida em que esta se constitui a si mesma como poder executivo da lei. Ela mesma não é um dever, ou bem possuí-la não é um dever, mas, ela manda e acompanha seu mandato com uma coerção moral (possível segundo as leis da liberdade interna). Para o homem, no entanto, posto que a coerção deve ser irresistível, se requer uma fortaleza cujo grau somente podemos apreciar pela magnitude dos obstáculos que o homem gera em si mesmo mediante suas inclinações. Assim, pois, “os vícios incubados nas intenções contrárias à lei são os monstros que o homem tem que combater”. Daí que a fortaleza moral, entendida como valor, constitua, nas palavras de Kant, também a suprema honra guerreira do homem e a única verdadeira. Também se chama a verdadeira sabedoria, isto é, sabedoria prática, porque faz seu o fim último da existência do homem na Terra. Somente possuindo-a o homem é livre, saudável, próspero, e, de acordo com Kant, não pode sofrer perdas pelo azar ou pelo destino, porque possui a si mesmo e os virtuosos não podem perder sua virtude.
Sim, Kant afirma que a virtude deve ser adquirida e que ela não é inata. A faculdade moral do homem não seria a virtude, se ela não fosse produzida pela força da resolução nos conflitos com as inclinações que podem se opor. Ela é produto da razão pura prática na medida em que esta conquista, com consciência de sua superioridade - pela liberdade -, o poder supremo sobre tais inclinações.
A cultura da virtude possui como princípio o exercício vigoroso, firme e corajoso da virtude que é a sentença dos estoicos que diz habitue-se a suportar os maus contingentes da vida e a afastar-se dos gozos supérfluos. Segundo Kant, trata-se aqui de um tipo de dietética para o homem que consiste em se conservar moralmente são. Mas a saúde é um bem-estar negativo, ela não pode ela própria ser sentida. É necessário que alguma coisa a ela se atrele, que procure um contentamento para viver e que seja, portanto, puramente moral. E, concordando com Epicuro, Kant assegura que isto é um coração sempre alegre.

CONCLUSÃO
A filosofia de Kant é completamente oposta à de Aristóteles, que defendia não serem as pessoas realmente virtuosas desde que o exercício da virtude fosse contra a sua natureza; a pessoa verdadeiramente virtuosa gosta decididamente de praticar atos virtuosos. A reflexão que eu fiz, quis mostra a tarefa que a importância da educação moral tem. Esse compromisso de transmitir uma educação moral, de trabalhar as virtudes não é somente dos pais, da escola ou de outra instância qualquer, mas um compromisso da sociedade como um todo e de todas as suas instituições políticas, jurídicas, midiáticas e também educacionais.
Afirmar isso representa alimentar certa utopia, no seu sentido negativo, uma vez que, no momento, nada indica que a sociedade venha a iluminar-se em todos os seus ambientes de um novo consenso de moralidade. A sociedade será sempre plena de contradições e é no interior delas que se estabelece a luta por práticas individuais e sociais que favoreçam o bem-estar e a felicidade de todos. É nessa perspectiva que deve ser vista a tarefa da educação moral realizada no interior da escola: uma tarefa árdua que se encontra entre paradoxais e contraditórias exigências.
Para Kant, por outro lado, é a dificuldade de praticar o bem que é a verdadeira marca da virtude. Kant dá-se conta de ter estabelecido padrões intimidadores de conduta moral e está perfeitamente disposto a considerar a possibilidade de nunca ter havido, de fato, uma ação levada a cabo unicamente com base na moral e em função do sentido do dever. Agir por dever é agir em função da reverência pela lei moral; e a maneira de testar se estamos a agir assim é procurar à máxima, ou princípio, com base na qual agimos, isto é, o imperativo ao quais as nossas ações se conformam. Há dois tipos de imperativos: os hipotéticos e os categóricos. O imperativo hipotético afirma o seguinte: se quisermos atingir determinado fim, age desta ou daquela maneira. O imperativo categórico diz o seguinte: independentemente do fim que desejamos atingir, age desta ou daquela maneira. Há muitos imperativos hipotéticos porque há muitos fins diferentes que os seres humanos podem propor-se alcançar. Há um só imperativo categórico, que é o seguinte: "Age apenas de acordo com uma máxima que possas, ao mesmo tempo, querer que se torne uma lei universal".
Kant conclui a exposição do seu sistema moral dizendo de certa dignidade da virtude, ou seja, no reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Se algo tem um preço, pode ser trocado por qualquer outra coisa. O que tem dignidade é único e não pode ser trocado; está além do preço. Há dois tipos de preços, afirma Kant: o preço venal, que está relacionado com a satisfação da necessidade; e o preço de sentimento, relacionado com a satisfação do gosto. A moralidade está para lá e acima de ambos os tipos de preço.
O caminho certamente não é nem curto nem fácil. Nem se deve imaginar que seja possível formar os sujeitos para depois termos uma sociedade mais moralizada. A formação das pessoas e o repensar das estruturas profundas de nossa sociedade são duas faces de um mesmo processo. A escola, em todos os seus níveis, tem uma fundamental contribuição a dar: promover a renovação moral do indivíduo e da sociedade, no sentido de uma ordem mais justa e cheia de prática de virtudes.


REFERÊNCIAS
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1986.
______. Immanuel. A Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela: Grundlegung zur Metapysik der Sitten. Lisboa: ed. 70. 1997. 
______. Immanuel. Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida Martins. São Paulo: Iluminuras Ltda. 2006.    
______. Immanuel. Sobre a Pedagogia.  Tradução de Francisco Fontanella. 3. ed. Piracicaba: UNIMEP, 2002.
______. Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Conceito de Família na Filosofia do Direito de Hegel.

O Conceito de Felicidade na Fundamentação da Moral em Kant: em comparação com o pensamento de Aristóteles e Freud

“A QUESTÃO DO SER NO ENTE E ESSÊNCIA DE TOMÁS DE AQUINO”