SOBRE A IGREJA NO MUNDO ATUAL FRENTE À JUSTIÇA

Escrita pelo Papa Leão XIII e publicada em 15 de maio de 1891, a encíclica Rerum Novarum trata das condições das classes trabalhadoras, discutindo a relação entre o governo, os negócios, o trabalho e a igreja. A encíclica em questão dá início à Doutrina Social da Igreja influenciando a criação de um novo ideário social e político, ou seja, a "Democracia Cristã”, que defende a implantação de uma democracia baseada nos princípios cristãos.
Desde seu surgimento a Igreja passou a confrontar, lutar e defender os problemas enfrentados pela classe mais necessitada da sociedade, de modo mais pertinente, carregando consigo o dever de investigar, a todo o momento, os sinais dos tempos, e interpretá-lo à luz do Evangelho para que assim pudesse responder, de modo adequado, a suas angústias.
É, por isso, necessária a compreensão da realidade na qual se vive hoje, ou seja, uma humanidade findada em desejos individuais, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas, a ponto de se constatar uma verdadeira transformação social e cultural. Assim, guiada pelo Evangelho e pelo amor ao homem, a Igreja escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as suas forças, como atesta Papa Francisco na Encíclica Evangelii Gaudium.
Diante de uma situação marcada pelos individualismos econômico, social, político e religioso, vê-se a importância da dimensão comunitária que privilegia o bem de todos, tendo em vista que o ser humano é social, que a família é a primeira comunidade humana, que a vida humana está voltada à comunidade, buscando o bem comum. Nessa comunidade econômico-social, os bens servem a todos, uma vez que uma sociedade política respeita os direitos de todos e busca o bem comum, com colaboração e justiça.

Nunca o género humano teve ao seu dispor tão grande abundância de riquezas, possibilidades e poderio económico; e, no entanto, uma imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria, e inúmeros são ainda os analfabetos. Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. (PAULO VI, 1965).

A justiça, sendo uma das principais virtudes morais, que consiste em retificar as ações humanas, exteriores, que dizem respeito aos outros, é o caminho pelo qual a Igreja busca percorrer firmemente, no intuito de firmar o bem comum sustentado por este hábito operativo da alma, que busca não somente o bem individual, mas o bem coletivo.
A Encíclica Gaudium et Spes busca reivindicar, insistentemente, aqueles bens que se julgam privados por injustiça ou por desigual distribuição, salvaguardando a necessidade de que cada indivíduo possui, pois, a ordem social e o seu progresso devem reverter sempre em bem das pessoas, já que a ordem das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas e não ao contrário. (PAULO VI, 1965), ou seja, os bens universais devem ser utilizados em prol dos outros e não se utilizar dos outros para obter bens.

            Entretanto, hoje, percebe-se um movimento contrário frente ao pensamento do Papa Paulo VI, porque o progresso social que deveria reverter sempre em bem das pessoas reverte-se somente ao bem particular, ou seja, daqueles que de certa forma já detenham grande parte do poder econômico e político, excluindo os que realmente necessitam que a justa distribuição seja feita para obterem mínimas condições de vida. Isto fere o bem comum e também a Justiça, descrita por Santo Tomás, e, consequentemente, aderida pela Igreja, porque não visa a todos, mas ao individual, favorecendo sempre mais o individualismo exacerbado, não se importando com quanto cada um tenha ou não tenha. É o que constata o Papa Francisco, afirmando que o grande risco do mundo atual é a tristeza individualista, que brota do coração mesquinho.

REFERÊNCIAS

V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO e DO CARIBE.  Documento de Aparecida. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/cjp/a_pdf/cnbb_2007_documento_de_aparecida.pdf >. Acesso em 17 out. 2017.

AQUINO, Tomás. Suma teológica. Trad. Carlo- Josaphat de Oliveira et al. São Paulo: Loyola, 2005. V.6.

CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Gaudium et Spes: mensagens, discursos, documentos. Tradução de Francisco Catão. São Paulo: Paulinas.

FRANCISCO: Evangelii Gaudium. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html>. Acesso em: 20 set. 2017.

FRANCISCO, O amor é contagioso: o Evangelho da justiça. Org. Anna Maria Foli. – 1ª ed. – São Paulo: Fontanar, 2017.

MONTICELLI, Pedro: justiça em Santo Tomás de Aquino. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Mtsfpm-HCco>. Acesso em: 01 set. 2017.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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