O Agir Ético como Pressuposto para a Liberdade

Brendo dos Santos Lima[1]
Resumo: A figura do homem na era moderna é apresentada de uma maneira diferente da medieval, havendo uma mudança da teleologia que voltava o homem para o fim para a Deontologia que coloca o homem em um novo caminho o de agir pelo dever. Com a capacidade de pensar e de agir em favor de uma realidade comum, ou seja, tendo a capacidade de raciocinar, o homem adquire a capacidade de agir corretamente e Kant em sua filosofia procura desenvolver sua tese que inicia, do conceito de ética, da prática e do entendimento da liberdade para assim, construir uma imagem do homem ética e livre.
Palavras-Chave: Kant; Ética; Homem; Dever; Liberdade.
Sumário: Introdução; 1. Conceito de Ética (A Deontologia e a Teleologia) e sua relação na filosofia kantiana; 2. A Liberdade; 3. O Homem: um ser ético e livre;Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
Immanuel Kant (1724-1804) inaugura uma nova maneira de pensar, ante as questões que haviam sido desencadeadas em um período da história anterior a ele: o agir pelo dever, guiado pela razão. Diante dos embates entre os racionalistas, tais como Descartes, Spinoza e etc, e dos empiristas: Leibiniz, Hume e etc, Kant procura dentro de sua filosofia apontar como o homem é sujeito ético e moral e detentor da razão, motivo qual será fundamental para a compreensão da totalidade e do agir corretamente.
Frente às dificuldades contemporâneas de se configurar a liberdade como pressuposto para a vivência ética, passa a se configurar a capacidade que os sujeitos da contemporaneidade passam a estabelecer de forma consciente a liberdade. Nesse sentido, é preciso a partir do pensamento de Kant fazer uma análise sobre: o que é ética? O ser humano é um ser dotado deste sentido? Eu sou livre? Estes questionamentos servirão de base para a compreensão do agir prático do indivíduo e como este poderá estabelecer pressupostos para a liberdade.
Diante dessa realidade, a necessidade de trabalhar esse assunto dentro de uma realidade caracterizada pelo abandono dos princípios ético-morais que norteiam o ser humano sugere uma reflexão sobre a visão de liberdade, a partir da concepção ética, que este trabalho procurará desenvolver em seu desenrolar, mostrando o conceito de ética e como esta se aplica dentro da filosofia kantiana ao indivíduo, mostrar a liberdade partindo de um pensamento errôneo (entender a liberdade como anarquia), mostrando o caminho feito pelo filósofo para entender a liberdade e como este caminho pode ser visualizado em nossos códigos jurídicos e por fim mostrar o homem como ser ético e livre que tendo por base a razão, direcionará a sua ação moral para a coletividade. Mostrando assim, o homem como ser de liberdade, razão e consciência.
1. Conceito de Ética (A Deontologia e a Teleologia) e sua relação na filosofia kantiana

No conjunto ético da filosofia há inúmeras aplicações e delimitações sobre os termos usados por ela. Dentre alguns podemos citar a ética deontológica e a ética teleológica, as quais terão ênfase nesta primeira fase de discussão. Antes de abordar essa delimitação ética, é preciso elencar o conceito de ética, (em grego ēthikē) que pode ser definida de forma geral como ciência de conduta. Aprofundando um pouco do significado da palavra, eis uma das muitas definições sobre a ética:
Em geral, ciência de conduta. Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª a que a considera como ciência do fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que a considera como ciência móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta. (ABBAGNANO, 2000, p. 380).
Tendo este pressuposto como base pode-se elencar a definição conceitual, dentro de uma delimitação no campo ético, da deontologia e a teleologia. Deontologia é um “termo criado por Jeremy Bentham para designar uma ciência do conveniente, ou seja, uma moral fundada na tendência a perseguir o prazer e fugir da dor e que, por tanto, não lance mão de apelos à consciência, ao dever e etc.” (ABBAGNANO, 2000, p. 240). Nesse sentido, o deontólogo tem a tarefa de ensinar o homem a administrar suas emoções subordinando-as ao critério da razão. A Teleologia trata-se da “teoria das causas finais; conjunto de especulações que têm em vista o conhecimento da finalidade, encarada de modo abstrato, pela consideração dos seres quanto ao fim a que se destinam[2]”.
Entre os termos éticos, vale salientar que elas têm por ponto de partida, elementos diversos, enquanto a Deontologia tem sua fundamentação no dever, a teleologia, vê na finalidade dos fatos a sua fundamentação. Vendo isso, torna-se perceptível essa diferença. Contudo, no pensamento de alguns filósofos elas parecem estabelecer relação, como por exemplo, “para Kant, a deontologia é fundada na análise e especulação dos limites da razão, inicia-se pela apreciação do conceito de boa vontade, o que leva ao dever e ao imperativo categórico como expressão e forma do dever-ser, expressando a fonte da obrigatoriedade da doutrina moral” (OLIVEIRA, 2011, p. 13). Porém, não seria possível formar uma teoria unicamente deontológica, sem assegurar, tendo por pressuposição, um fim. Na aplicação do dever há uma finalidade de sentido, que direcionará a ação moral para a prática, tendo como princípio para o homem o fim em si mesmo.
Vale salientar, que a ética na vida do homem deve estar inserida da mesma forma que a essência define de fato a coisa, pois, “a razão humana não é somente ‘razão teórica’, ou seja, capaz de conhecer, mas também é ‘razão prática’, ou seja, razão capaz de determinar a vontade e a ação moral” (REALE;ANTISIERI, 1990, p. 906). Essa prerrogativa permite o entendimento de que a razão prática agora tem a finalidade de determinar o agir moral e a vontade. Com isso o homem, guiado pela razão nos princípios a priori, ou seja, um princípio racional puro visionará a realidade e determinará um agir que esteja em consonância com o dever e não com a convencionalidade. Nesse sentido, cabe aqui fazer menção das palavras de Fernandes quando traz, dentro de uma reflexão na filosofia kantiana, uma definição do homem e da sua faculdade racional:
Kant tem como elemento componente da razão humana a lei da causalidade. Esta, explica ele, é eterna e absoluta, simplesmente porque a razão humana considera tudo o que acontece dentro de uma relação de causa e efeito. A lei da causalidade está na natureza e não e nós mesmos. [...] Explica que não podemos saber com certeza como o mundo é “em si”. Só podemos saber como o mundo é “para mim” e assim para todos os homens. [...] Acreditava que todos os homens possuem uma razão prática, que nos diz o que é certo e o que é errado no campo da moral. [...] Considera a lei moral como um imperativo categórico, sendo imperativo porque é um dever moral, é uma ordem e absolutamente inevitável, e é categórico porque atinge a todos e todas as situações sem exceção. (FERNANDES, 2017)[3].
Com o imperativo categórico, é possível, construir uma nova imagem do homem, já que o agir ético se dá pelo fato do indivíduo fazer algo porque considera certo. Com isso, o ser humano deve agir não por temor a lei, mas por conhecê-la e respeitá-la. Tendo essa premissa como base, é possível pensar em um homem livre, situação esta, objeto de análise neste trabalho, como também um dever que não necessite de coerção, mas de conscientização. Cabe aqui citar, que na Crítica da Razão Prática, Kant faz uma crítica a uma razão unicamente empirista, a qual desvaloriza a razão e nesse sentido ele procura fazer uma junção da prática, com a teoria, ou seja, uma união da visão a priori[4], com a visão a posteriori[5], trazendo assim para o campo filosófico, que o homem não é apenas dotado de sentidos, como afirmavam os empiristas, mas também dotado de razão e esta razão torna-se prática na medida em que o homem age categoricamente pelo dever.
2. A Liberdade

A palavra liberdade é tratada em determinados lugares do mundo como ação reacionária do homem. Esta concepção pode ser interpretada como uma anarquia, onde “o indivíduo é a única realidade que deve ser absolutamente livre que qualquer restrição que lhe seja imposta é ilegítima” (ABBAGNANO, 2000, p. 59). O argumento contrário a esta análise anárquica de liberdade, entendida assim por diferentes sujeitos, é o kantiano que faz frente a esse anarquismo, que já era problema político de pensadores anteriores ao que estamos tratando, propondo uma nova perspectiva de liberdade e esta pautada, assim como sua ética no dever.
Entender a liberdade como prática do dever não é fazer um abandono da vontade do ser humano, muito pelo contrário, ela estabelecerá bases para a prática dessa e de direcioná-la para a ação do sujeito em sua sociedade. Eis o que Kant afirma quando trata da vontade na terceira seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes:
A vontade é uma espécie de causalidade dos seres vivos, enquanto racionais, e liberdade seria a propriedade dessa causalidade, pela qual ela pode ser eficiente, não obstante as causas estranhas que possam determina-la; assim como a necessidade natural é a propriedade da causalidade de todos os seres irracionais de serem determinados à atividade pela influencia de causas estranhas. (KANT, 2002, p. 79)
Sendo essa vontade uma causalidade, ou seja, um elemento presente na racionalidade e na natureza do ser humano, ela pode quando guiada pela razão estabelecer princípios que levarão o homem a uma correta ação prática dentro da sociedade em que ele vive. Nesse sentido, a liberdade só está presente quando se segue de forma rigorosa e disciplinada as leis morais, não havendo negociações, não havendo exceções, formando assim, uma universalidade, mostrando a base kantiana do sistema jurídico atual. Cabe aqui fazer menção às cartas constitucionais de cada nação que procuram estabelecer princípios a serem seguidos pelos seus habitantes. Entre as várias cartas presentes em cada nação, vale salientar que na Constituição da República Federativa do Brasil, logo em seu preâmbulo, traz a seguinte justificativa:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2012, p.11)
Antes de qualquer análise, nota-se a influencia da filosofia do pai do criticismo nas condutas e nas ações morais do indivíduo (no caso acima citado dos brasileiros). Estas ações precisam ser guiadas pela razão para que estabeleça assim uma normativa, tendo por base as regras ético-morais da coletividade, ou seja, dentro de uma nação os homens ali residentes, só podem agir de acordo com o dever e conforme ao conjunto de normas e princípios estabelecidos pelo Estado.
A liberdade e o agir pelo dever, demonstram também como deve ser a ação política do homem em sociedade. Guiado pela razão, o direito kantiano, como também a sua posição política “trata da relação entre os arbítrios (ou seja, da capacidade de agir segundo uma representação racional) de um ponto de vista meramente formal” (CENCI, 2000, p. 169). Essa premissa reafirma a vontade presente na natureza do sujeito e que esta “é uma causalidade atribuída à razão pura, e a liberdade é a propriedade dessa causalidade, então temos que atribuir a liberdade também a todos os seres racionais em geral”. (ZANELLA; OLIVEIRA, [S.L], p. 2).  Nessa vontade do ser humano, os conceitos de bem e do mal, estão presentes devido à capacidade racional do indivíduo de escolha, nesse caso já seria uma forma de liberdade que já estaria inserida no pensamento de forma natural. Eis o que o filósofo afirma:
Uma vez que os conceitos de bem e do mal, como consequências a priori da vontade, pressupõem também um princípio puro prático, e por consequência uma causalidade da razão pura, resulta que não se referem originariamente (de certo modo como determinações da unidade sintética na multiplicidade de intuições operadas em uma consciência) a objetos, como os conceitos puros do entendimento ou categorias da razão usada teoricamente, pois consideram elas esses objetos de preferencia como já dados anteriormente, quando são em conjunto modos de uma categoria única, isto é, a de causalidade quando o fundamento da sua determinação consiste na representação racional de uma lei da razão que, como lei de liberdade, faculta a razão a si mesma, mostrando-se desse modo a priori como prática. (KANT, 2005, p. 66).
Nesse sentido, o homem como ser racional, tem a capacidade de fazer a conceituação das coisas e como tal ele pode também escolher o caminho que deve trilhar, lembrando que ele só poderá afirmar que é livre quando usando a razão, agir pelo dever e não por mera especulação (se assim o fosse seria anarquismo). É a vontade de agir corretamente pelo dever que direcionará a ação do homem para a prática, ou seja, a liberdade só poderá ser entendida no homem quando ela estiver ligada ao seguimento a risca das leis morais, sem exceções, tendo como pressuposto o imperativo categórico.
É importante frisar que “Kant fundamenta sua ética no indivíduo racional, que cria leis que podem vir a se tornarem leis socioculturais cuja obediência se dá pelo respeito e dever auto imposto e não por sofrimento e dor infringidos no caso de desobediência dos mesmos, ou seja, é o dever e não o temor à mola mestra do proceder ético”.(FERNANDES, 2017). Dessa forma o sujeito só pode afirmar que é livre quando possui consciência destas questões e procura, dentro de uma perspectiva a priori, sempre direcionar a sua ação para o bem da coletividade.

3. O Homem: um ser ético e livre

Dentro da perspectiva apresentada no item anterior, cabe-se apresentar o homem, sujeito ativo da experiência e da aplicação da moral e da ética no conjunto social. Dessa maneira, o homem é dentro deste prisma, sujeito de vontade, capaz de agir e detentor do dever. O conceito de homem na Era Moderna assume um papel de protagonista da ação, ou seja, sujeito que exerce uma determinada “força” e possui uma autonomia. Esta visão autônoma do pensamento coloca o homem como capaz de conhecer, já que, “nos serve de lei somente quando somos seres racionais, tem ela que valer também para todos os seres racionais” (KANT apud ZANELLA; OLIVEIRA, 2017, p. 01).Essa premissa dá ênfase a outra na qual:
A antropologia é compreensível sob o ponto de vista do homem empírico, porque trata do “conhecimento do mundo”, do “conhecimento do ser humano como cidadão do mundo”. [...] Portanto, o importante é o “autoconhecimento da razão humana sem o qual nós não tempos a visão da extensão de nosso conhecimento”. (MARTINS, 2017, p.127).
A autonomia da faculdade de raciocinar do homem é fundamental para compreender como o indivíduo, poderá agir de forma ética e como este, dentro do campo moral e ético, poderá estabelecer pressupostos para a liberdade. Outro ponto fundamental desta questão é fazer menção de uma nova realidade que Kant procura desenvolver no decorrer de sua filosofia a unidade da visão empírica e racional do homem. A este ponto podemos acrescentar a reflexão de Fernandes sobre este duplo funcionamento do ser humano quando afirma que:
Dotados de sentidos significa dizer que pertencemos inteiramente à ordem da natureza; consequentemente, também estamos sujeitos à lei da causalidade. Desse ângulo, não possuímos livre- arbítrio. Como seres dotados de razão, temos em nós uma parte do mundo em si, ou seja, do mundo que existe independentemente de nossos sentidos. Só quando seguimos nossa “razão prática”, que nos habilita a fazer uma escolha moral, é que possuímos livre-arbítrio. Isto porque aos nos submetermos à lei moral somos nós mesmos que estamos determinando a lei que vai nos governar. (FERNANDES, 2017).
Ao tratar da ideia da autonomia da razão humana, como também da singularidade, Kant reforça a premissa de que o ser humano tem o dever de utilizar a razão prática dentro de um conjunto de totalidade, ou seja, o homem não é apenas dotado de sentidos, como afirmavam os empiristas, mas também dotado de razão e estatorna-se prática na medida em que o homem age categoricamente pelo dever.
Na Introdução da Crítica da Razão Pura, o filósofo de Königsberg, procura evidenciar as diferenças entre o conhecimento puro e o conhecimento empírico e a abstração que é feita pela razão humana para compreender, estabelecendo assim um sujeito que passa um processo que vai da experiência, ao uso da plena razão. Eis o que afirma:
Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual [...] Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. [...] poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer [...] produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa! matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los. Há pois, pelo menos, uma questão que carece de um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta: se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência. (KANT, 2001, p.62-63)
Com a capacidade de conhecer a priori as coisas, Kant chama a atenção para o questionário que o homem faz a si próprio no processo do conhecimento:o que posso saber? O que devo fazer? O que me é lícito esperar? O que é o homem?Estas perguntas feitas pelo sujeito reforça o argumento de que razão pura prática é a única que tem primazia, pois cabe a ela questionar e delimitar o espaço, como também o dever do sujeito que precisa estar em consonância com a totalidade do homem. Com isso é válido a ampliação da Regra de Ouro, a qual trazia até antes de Kant a seguinte afirmação: “faça para os outros o que você gostaria que fizessem a você” e agora passa para um plano universal: “Faça para os outros o que gostaria que todos fizessem para todos”. Essa premissa dá ênfase para o imperativo categórico, que nada mais é que a junção do dever moral, com a aplicação na totalidade do homem sem exceção, tendo por base o dever. Com isso eis o que o filósofo afirma:
A necessidade prática de agir segundo esse princípio, isto é, o dever, não parte de sentimentos, impulsos e inclinações, mas sim unicamente da relaçãodos seres racionais entre si, relação esta em que a vontade de um racional tem de ser considerada sempre e simultaneamente como legisladora, porque de outra forma não poderia ser pensada como fim em si mesma. A razão relaciona, então, cada máxima da vontade concebida como universalmente legisladora com todas as demais vontades e com todas as ações para com nós próprios, e isso não se dá em virtude de qualquer motivo prático ou de qualquervantagemfutura, mas pela ideia de dignidade de um ser racional que não obedece outra lei senão aquela que simultaneamente dá a si mesmo. (KANT, 2002, p. 65).
Neste caso, “o conceito de humanidade na obra de Kant, designa por um lado, o que é o homem enquanto totalidade de todos os homens no passado, presente e futuro” (MARTINS, [s.d.], p. 131). Partindo desta afirmação, o homem é de dignidade, ou seja, possui uma singularidade comum a todos os indivíduos e não deve ser usado como meio, mas como fim por ser um homem de razão. Neste caso, podemos elencar o homem por uma tríade: liberdade, razão e consciência, as quais constroem um ser moral, que com a razão elenca as atitudes e suas ações na coletividade. Assim, o agir moral para Kant é uma eticidade, a qual a partir do ser humano procura estabelecer princípios que irão reger a pessoa e o seu conjunto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ser humano dentro de uma perspectiva filosófica nasce e possui dentro de si uma capacidade que o diferencia dos outros elementos que existem na natureza: a capacidade de pensar e raciocinar. Esta capacidade determina os elementos constitutivos do homem e o faz participante de uma relação entre indivíduos, montando assim, o que seria classificado anteriormente como relação social e que hoje é colocado como essencial para a funcionalidade do Estado.
Kant em sua filosofia procura dar a este sujeito não só uma capacidade de pensar na totalidade, mas uma capacidade de agir no seu contexto tendo a razão por base e a experiência como ponto de partida. Esta visão dá uma relação de harmonia entre as correntes existentes da época: o Racionalismo, que priorizava a razão e o Empirismo que valorizava a experiência como base de todo conhecimento. Sendo o homem um sujeito dotado de razão e que tem a experiência como primórdio do seu conhecimento, ele também tem a capacidade de viver em sociedade, como indivíduo que tem por dever seguir as normativas referentes à ação em conjunto, ou seja, o homem deve participar da vida ativa da coletividade, como sujeito que age pelo dever e que olha ao seu redor com uma visão única e especialmente totalitária, visando assim o ser humano em sua mais alta importância: ser de dignidade.
Na ética, é colocada em pauta a atitude do sujeito elencada e aplicada pelo imperativo categórico. Agora com esta nova perspectiva, é possível, construir uma nova imagem do homem, já que o agir ético se dá pelo fato do indivíduo fazer algo porque considera certo. O agir do indivíduo, deve ser pautado não pela coerção das leis, mas pelo pleno conhecimento e pela plena aplicação desta na sociedade. Esta visão favorece uma base considerável para compreender o homem como ser de liberdade, que tendo como normativa de vivencia, o dever que favorecerá uma visão de totalidade do ser humano e que este dotado de uma união racional e empírica poderá dar pleno cumprimento a ação moral.
Dentro desta perspectiva, o homem só pode considerar-se livre quando agir plenamente segundo o dever, que é olhar para a coletividade com uma visão universal, criando e argumentando leis que rejam esta relação: Indivíduo + Sociedade = coletividade. Com esta visão e com este entendimento racional sobre si mesmo e sobre a sua realidade coletiva, o homem agora procurará desenvolver ações coletivas, que iluminadas pela razão, guiadas pelo dever e aplicadas na universalidade, pode dar ao homem uma liberdade, não coercitiva, mas vivida e entendida em comum. Esta visão kantiana dá base para os vários códigos morais e jurídicos que encontramos hoje no mundo. Agora estes, procuram dar ao homem elementos fundamentados na ética, para que esse possa agir corretamente. Ao tratar do sujeito como ser ético-moral, vale salientar que o ser humano tem o dever de utilizar a razão prática dentro de um conjunto de totalidade, ou seja, o homem não é apenas dotado de sentidos, como afirmavam os empiristas, mas também dotado de razão e esta se torna prática na medida em que o homem age categoricamente pelo dever.

REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. 35. ed.Brasília : Câmara dos Deputados: Edições Câmara, 2012. pdf.

CENCI, Angelo V. (Org). Temas sobre Kant: metafísica, estética e filosofia política. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 246s

FERNANDES, Valéria Cristina Céu Ribeiro. O ser humano e a ética segundo Immanuel Kant. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2859&idAreaSel=21&seeArt=yes>. Acesso em 31 mar 2017.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martins Claret, 2002.

____. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. 5.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

____. Crítica da Razão Prática. Tradução de Paulo Barrera. São Paulo: Ícone, 2005.

MARTINS, Clélia Aparecida. A Antropologia Kantiana e a Antropologia de um ponto de vista pragmático. [S.l: s.n.: s.d.]. pdf.

MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa: Tradução da palavra “Teleologia”. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=teleologia>. Acesso em 28 mar 2017.

OLIVEIRA, Carlos Moisés de. A Moral Kantiana entre Deontologia e Teleologia. Natal: UFRN, 2011. Disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/16494/1/CarlosMO_DISSERT.pdf>. Acesso em 30 mar 2017.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulinas, 1990. v. II.

ZANELLA, Diego Carlos; OLIVEIRA, Liliana Souza. Liberdade e Moralidade em Kant. [S.L]. pdf.




[1]Aluno do 3º semestre do curso de Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unidade Lorena. E-mail: brendo201047@hotmail.com.
[2] Significado da palavra Teleologia extraída do Dicionário eletrônico Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=teleologia>. Acesso em 28 mar 2017.
[3] Citação retirada de uma página da internet sem paginação, por isso está de acordo com as regras do UNISAL: Nome do autor e a data de acesso nesta citação e nas referencias a descrição por completo da fonte.
[4]A Priori - Juízos necessários e universais que ampliam o conhecimento do sujeito, para aquilo que pode ser conhecido. (COTRIM; FERNANDES, 2010, p. 246).
[5]A Posteriori - não interferem na ciência, é sempre empírico, não sendo universal e necessário. (COTRIM; FERNANDES, 2010, p. 246).

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