A EDUCAÇÃO REFLETIDA NA SOCIEDADE À LUZ DAS IDEIAS DE PLATÃO

A EDUCAÇÃO REFLETIDA NA SOCIEDADE À LUZ DAS IDEIAS DE PLATÃO
Lucas Afonso Diel[1]

Resumo: O presente trabalho pretende mostrar a importância da educação na vida do educando e como este se torna irradiador da verdade na sociedade. Para isso utilizaremos, como fonte, as questões abordadas no Livro VII, especificamente, a “Alegoria da caverna” contida em A República de Platão (428 a.C.-348 a.C.) na qual apresenta a importância da educação para a formação do “administrador” da cidade.

Palavras-chave: Educação. “Alegoria” da Caverna. Platão. Verdade. Protagonismo.


Sumário: Introdução. 1. O Mito da caverna e a Educação. 2. O Papel Do Educador Na Vida Do Educando. 3. O Educando Como Agente De Transformação Social. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Platão (428 a.C. - 348 a.C.) foi um dos principais discípulos de Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) Tornando-se filósofo, escreveu mais de 30 obras, dentre elas A República. Em seus escritos é difícil reconhecer o que é realmente de Platão e o que é de Sócrates.
Segundo Platão, a educação é para a sociedade uma necessidade imprescindível na construção de cidadãos que realmente queiram servir e governar corretamente a Polis. Como ponto de partida, se abordará a importância da educação na construção integral da pessoa, do grupo e da sociedade. O objetivo é mostrar a importância do papel do educador para libertar o educando e como este influenciará na sociedade a partir do momento que contemplar a verdade.
Para entender este processo educativo proposto por Platão, se enfatizará, em um primeiro momento, a “Alegoria da caverna”, na qual Platão reflete a importância da formação de um Estado ideal. Em um segundo momento, se salientará a importância do educador para o processo de libertação e conhecimento da verdade. Por fim, se dará destaque à figura do educando como um agente de transformação da realidade social. Insiste-se que a análise parte do Livro VII da obra A República de Platão.



1. A “Alegoria da Caverna” e a Educação

No livro VII de A República de Platão, narra-se a “Alegoria da Caverna”. Descreve a história de um grupo de pessoas que desde crianças viviam no fundo de uma caverna e tudo o que viam eram sombras. Se algum dia uma dessas pessoas tivesse a oportunidade de ver a verdade, ou seja, ver o objeto real e não a sua sombra, sentiria dificuldade no início, pois os olhos lhe doeriam, mas, depois de um tempo, acostumar-se-ia com a luz e conseguiria ver o objeto real.
Com isso, pode-se perceber que algumas pessoas são aprisionadas por um sistema social, o qual acaba se tornando para ela uma caverna e nela só o que vê e reconhece como verdade são as sombras. Segundo Platão:

Se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refugio junto dos objetos dos quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam? (PLATÃO, 2006, p. 211).

Assim, percebe-se que a educação seria um caminho no qual não há mais a opção de voltar e fingir que nada mudou, pois já se contemplou o objeto real e não é mais possível cair no comodismo de acreditar que a sombra é a verdade.

2. O Papel do educador na vida do educando

A palavra “educação” vem do latim educare, que significa conduzir para fora [ex: fora / ducere: conduzir,levar], ou seja, acompanhar o educando até o mundo, até a verdade. Seguindo a etimologia, pode-se deduzir que a função de “acompanhar o educando” está intimamente ligada ao educador. Assim, Platão afirma que não se deve educar “(...) as crianças no estudo pela violência, mas a brincar, a fim de ficarem mais habilitados a descobrir as tendências naturais de cada um.” (PLATÃO, 2006, p. 234).
Para Platão contemplar a luz seria a capacidade de conhecer a verdade, de sair da ilusão das sombras e de contemplar os objetos reais. O processo de contemplar a luz, conforme Platão é doloroso, porém é extremamente necessário, pois a partir daí se chega à verdade. Com ela, portanto, se contemplariam os objetos reais, os quais após tê-los conhecido não se deixariam mais de observar. No entender de Platão:

Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objetos refletidos na agua, e, por ultimo, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da lua, mais facilmente do que se fosse o sol e o seu brilho de dia. (PLATÃO, 2006, p. 211).

Para esse processo são necessárias pessoas que contribuam porque todos têm olhos para ver a verdade; mas, não sabem corretamente para onde devem olhar. Tal papel é do educador, ou como escreveu Platão, do mestre, já que este pode ajudar a corrigir. De acordo com Platão: “Não o de fazer obter a visão, pois já a tem, mas, uma vez que ele não está na posição correta e não olha para onde deve dar-lhe meios para isso”. (PLATÃO, 2006, p. 214).
Proporcionar aos educandos meios para chegarem à verdade e reconhecerem nela o valor de liberdade que os leva à autonomia, é uma tarefa complicada e difícil que é conferida às pessoas que se dispõem ao papel de educadoras. Não pode haver na educação uma relação de superioridade por parte do educador ou do educando. Para Sandrini: “Todos são educadores e todos são educandos, não sucessiva e alternadamente, mas ao mesmo tempo” (2007, p. 37). Deve, então, haver uma corresponsabilidade, esta leva ao educando a autonomia de vida, que o impulsiona a agir na sociedade, a transformá-la, a fazer dela melhor.
Paulo Freire (1921 d. C.- 1997 d. C.) em seus escritos sobre a educação e com seu método não almeja apenas ensinar a ler e escrever. Freire “apresenta dentro de sua proposta, uma crítica à educação brasileira de seu tempo. Queria romper, como ele mesmo dizia, com a consciência dependente da classe trabalhadora”. (MARQUES, 2010, p. 82). Sua proposta pedagógica tem em vista a construção da visão crítica do mundo, de forma que a classe trabalhadora partindo de sua realidade possa romper com a situação de dependência e opressão, é a educação libertadora.
Segundo Marques, “na visão de Paulo Freire, o grande desafio do educador é transformar-se num educador libertador. Ele considera a educação um instrumento poderoso para a transformação social”. (2010, p. 81). O educador precisa diferenciar a educação libertadora dos métodos tradicionais. Para Marques, “na educação libertadora, educadores e educandos são agentes críticos do ato de conhecer, isto é, são sujeitos no processo histórico-pedagógico”. (2010, p. 82).
O educador é alguém que não só ensina o educando a “olhar para fora da caverna”, mas também é aquele que o orienta, o indaga, participa com amor na construção pessoal, comunitária e social de um projeto de vida, capaz de lhe dar sentido, mostra e ajuda a descobrir. Segundo Sandrini “são preciso razões para viver e para sonhar” (2007, p. 22). Deste modo, ele mesmo poderá, como escreveu Platão, “caminhar em direção ao próprio ser pela verdade”. (2006, p. 235).
Eis a expressão chinesa empregada por Sandrini em seu livro Para sempre! o compromisso ético do educador:

Os chineses dizem que “quando alguém aponta para o céu, o tolo olha o dedo e o sábio olha o sol”. Não nos percamos olhando o dedo sem nos deixar inebriar pelo brilho do sol. A missão do educador é justamente escutar a nova visão juvenil para que o dedo não substitua o sol. (SANDRINI, 2007, p. 108).

Não é o educador o primeiro responsável pela educação, e não pode deixar que o coloquem nessa posição. Muitas vezes ele deve chamar incessantemente a atenção do educando para que olhe para onde deve ir, até que possa sozinho contemplar a verdade. Segundo Sanchez:

Educar é humanizar, é promover a capacidade humana de um homem, ensiná-lo a utilizar a sua própria responsabilidade, ampliar o seu âmbito moral, e quem fala de moralidade, fala de liberdade [...] ensinar-lhe a respeitar-se a si mesmo e aos demais em suas opções, e saber-se responsável do uso de sua própria liberdade. (GALINO apud SANCHEZ, 2007, p. 61, tradução nossa).

Paulo Freire na apresentação do seu livro Pedagogia do oprimido afirma: “Os caminhos da liberação são os do oprimido que se libertam: ele não é coisa que se resgata, é sujeito que se deve autoconfigurar responsavelmente”. (FREIRE, 1981, p. 3).
As atitudes dos educandos nem sempre são as esperadas pelo educador, muitas vezes são reflexo de uma rebeldia que é decorrente de seu status, que é consequência de um cenário de violência. Novamente volta a missão daquele que o orienta. Segundo Sandrini “a atitude do educador é transformar essas situações negativas e conflitivas em ocasião de educação”. (SANDRINI, 2007, p. 137). Usar-se de situações que não convêm e mostrar que, para Platão “há objetos que não convidam o espirito à reflexão”.


3. O educando como agente de transformação social

A partir do momento em que se conhece a verdade, é natural que se queira que ela seja conhecida por todos. Platão salienta a importância daqueles que aprenderam para a comunidade. Para ele,

fazendo que partilhem uns com os outros com o auxilio que cada um deles possa prestar à comunidade; ao criar homens desta cidade, a lei não o fez para deixar que cada um se volte para a atividade que lhe aprouver, mas para tirar partido dele para a união da cidade. (PLATÃO, 2006, p. 215).

No livro VII da República de Platão vemos que a atividade daquele que volta para a caverna para apresentar àqueles que ficaram a verdade que havia contemplado, não foi bem recebido, mas zombado, espancado, e por fim morto.
Hoje se pode perceber o crescente desafio de superar atitudes, se não de espancamento, mas de descaso com o papel do educador, tanto por parte do educando que pensa que está sendo enganado – assim como os que estavam no fundo da caverna – quanto por parte do governo, porém o educador é impulsionado pela força daquilo que contemplou, por isso supera muitas vezes as barreiras com uma criatividade inovadora, ou seja, cria novas formas de levar o que conheceu aos outros. Segundo Passos Junior:

O filosofo tem a missão de libertar os outros homens das trevas da ignorância e das sombras da opinião para fazê-los chegar à contemplação da verdadeira realidade do mundo das ideias presidido e iluminado pelo sol da ideia do sumo bem. (2015, p.8).

Sobre a faculdade do Pensar, afirma Platão:

É, ao que parece, de um caráter mais divino do que tudo o mais; nunca perde a força e, conforme a volta que lhe derem, pode tornar-se vantajosa e útil, ou inútil e prejudicial. (PLATÃO, 2006, p. 214).

Então, permanecer na superfície sem voltar para comunicar aos outros seria impensável, pois para Platão:

Permanecer lá e não quere descer novamente para junto daqueles prisioneiros nem partilhar dos trabalhos e honrarias que entre eles existem, quer sejam modestos, quer elevados [...] vamos cometer a injustiça de levar uma vida inferior, quando lhes era possível levar uma vida melhor? (PLATÃO, 2006, p. 215).

Sobre a forma de vida daqueles que conheceram a verdade, Platão ensina qual atitude deve ser tomada para com aqueles que contemplaram o objeto real, pois agora, o conhecedor da verdade tem a missão de voltar a caverna, mesmo que seja incompreendido, pois contemplou a luz que ilumina a realidade, a qual possibilita o conhecimento de como os homens devem agir. Assim:
[...] fazendo que partilhem uns com os outros com o auxilio que cada um deles possa prestar à comunidade; ao criar homens desta cidade, a lei não o fez para deixar que cada um se volte para a atividade que lhe aprouver, mas para tirar partido dele para a união da cidade. (PLATÃO, 2006, p. 215).
Pode-se entender a educação como um processo, o qual tem a função de libertar e humanizar a cada pessoa e a cada comunidade, a finalidade da educação é estimular uma busca autônoma de sentidos para capacitar a própria existência.

Conclusão

Tendo analisado uma parte da obra de Platão podemos perceber quão importante é a função do educador para a sociedade, e como o educando pode se tornar “senhor” da própria história e da realidade na qual está inserido.
A palavra educação significa conduzir para fora. Platão ensina que a educação é para a sociedade uma necessidade imprescindível na construção de cidadãos que realmente queiram servir e governar corretamente a Polis.
Foi compreendido que a educação seria um caminho no qual não há mais a opção de voltar e fingir que nada mudou, pois já se contemplou a verdade. Mas, algumas pessoas são aprisionadas por um sistema social, o qual acaba se tornando para ela uma caverna.
Para Platão contemplar a luz seria a capacidade de conhecer a verdade, de sair da ilusão das sombras e de contemplar os objetos reais. Proporcionar aos educandos meios para chegarem à verdade e reconhecerem nela o valor de liberdade que os leva à autonomia, é uma tarefa complicada e difícil que é conferida às pessoas que se dispõem ao papel de educadoras.
O educador é alguém que não só ensina o educando a “olhar para fora da caverna”, mas também é aquele que o orienta, o indaga, participa com amor na construção pessoal, comunitária e social de um projeto de vida, capaz de lhe dar sentido, mostra e ajuda a descobrir.
Com a educação se procura superar atitudes, desafio da atualidade, pois procura libertar e humanizar a cada pessoa e a cada comunidade.
Considerando que as pessoas libertas das correntes da ignorância conseguem chegar à liberdade e a reconhecer nela a verdade podem então ser agora elas os agentes de transformação para o meio em que viviam. Viver “no fundo da caverna” já não é mais uma opção, pois segundo Aristóteles “todo homem tem o desejo de conhecer”.

Referências

Ø  MARQUES, C.D.; EVANGELISTA, F. Pedagogia Social: fundamentos filosóficos, pedagógicos e políticos para a prática do educador social libertador. In: GARRIDO, N.C. et al. (Org.). Desafios e perspectivas da educação social: um mosaico em construção. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2010. p. 73-90 (coleção Pedagogia Social).

Ø  PASSOS JÚNIOR, Dilson. História da filosofia antiga: Platão. Lorena: Centro Unisal, 2015. Digitado.

Ø  PLATÃO. A República. São Paulo, SP: Editora Martin Claret, 2006

Ø  SANCHEZ, Ángel Téllez. Humanizar: tarea y reto del educador hoy p. 51. Pensar y Educar. Burgos: Imprenta Santos, n.0, dic. 2007.

Ø  SANDRINI, Marcos. Para sempre! o compromisso ético do educador. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.



[1] É Religioso Salesiano, aluno do primeiro semestre do Centro Universitário de São Paulo – UE Lorena.

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