Alegoria da caverna: A educação como libertação

Alegoria da caverna: a educação como libertação
Felipe Olsen Fernandes[1]


Resumo: No presente artigo, trabalha-se a educação como um caminho de liberdade do indivíduo a partir da “Alegoria da caverna” de Platão. Na educação hoje praticada no Brasil há inúmeros conflitos: falta de oportunidades para aprender, o não acesso a uma boa educação, a exclusão social e a educação de privilegiados. No pensamento platônico no momento que temos contato com a realidade, usamos a razão para entender e enxergar essa mesma realidade de forma crítica. Elegemos Anísio Teixeira com o seu livro Educação não é Privilégio para aquilatar se a Educação hoje no Brasil permite essa passagem da Ignorância para a Sabedoria.


 Palavras-chave: Liberdade, Privilégio, Educação, Luz, educar.

Introdução
Nesse artigo quero discutir a importância da educação na libertação das pessoas da ignorância. Tendo como base a “Alegoria da caverna” de Platão (390 a.C), no qual a saída da ignorância seria pela contemplação. Para me ajudar nesse desenvolvimento estudei as críticas que Anísio Teixeira fez contra o sistema educacional brasileiro. Ele também queria a libertação da ignorâncias dos alunos especialmente aqueles sem privilégio. À luz desses dois autores desenvolvi esse artigo que mostra a importância do processo do educar. A etimologia da palavra já nos faz compreender essa dimensão de libertação. Educar vem do latim ex-ducere, que é uma palavra composta, o radical ducere significa tirar e o prefixo ex- significa para fora. Levando ao pé da letra seria: “tirar para fora”, isto é, fazer desabrochar e com esses dois autores vamos perceber a importância desse processo de educação como libertação.


Platão
Platão (428 – 348 a.C.) nasceu em Atenas, era de uma família rica e aristocrática ateniense. Sua educação inicial gerou em torno da gramática, ginástica, pintura e da poesia, se bem que depois que leu o poeta Homero[2]. Jogou seus primeiros ensaios ao fogo.
Em Filosofia recebeu os seus primeiros ensinamentos junto a Sócrates, de quem Platão foi aluno por cerca de oito anos. O processo e a morte de Sócrates, em 399 a.C., deixariam uma marca muito profunda na sua alma. Após a morte de Sócrates se ausentou de Atenas com certo temor. Visitou em sua vida a Creta, Egito, Cirene, Magna Grécia. Morreu no dia do seu aniversário em 348. Foi enterrado na Academia.

Sócrates — Com certeza Céfalo – disse eu –, pois é para mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avançada. Efetivamente, parece-me que devemos informar-nos junto deles, como de pessoas que foram à nossa frente num caminho que talvez tenhamos de percorrer, sobre as suas características, se é áspero e difícil, ou fácil e transitável. Teria até gosto em te perguntar qual o teu parecer sobre este assunto – uma vez que chegaste já a esse período da vida a que os poetas chamam estar “no limiar da velhice” – se é uma parte difícil da vida, ou que declarações tens a fazer. (328 A-E)

Platão escreveu cerca de trinta e quatro diálogos. Os diálogos iniciais têm a presença muito significativa de Sócrates e se dedicam a expressar o seu ensinamento. Já os diálogos da maturidade da velhice apresentada no Livro I de, A República, trazem a figura de Sócrates, como protagonista.
Para Platão, o mundo das ideias significa que: no início havia apenas as ideias, o bem, a verdade e o homem. Até que um ser supremo chamado Demiurgo, decidiu organizar as coisas do que já existia. Essa é a origem do mundo segundo Platão, todavia, a ideia de Demiurgo foi bom, porém falha, pelo motivo de ser uma ideia perfeita, mas eram cópias.
Daí que o afastamento da caverna para a luz do sol é uma ruptura com o mundo das imagens e que emboca em algo verdadeiro em si. Para Platão o pensar é muito divino e quem sabe conduzir ou chegar a esse nível intelectual transcenderá ao mundo das ideias.
A “Alegoria da caverna” de Platão narra sobre pessoas que estão no fundo de uma caverna, e esse estar pressionadas na caverna é a ausência de sabedoria e quando ela saí da caverna ela contempla a verdade que a realidade e obtém a sabedoria.
As pessoas estão presas no mundo sensíveis “mundo das sensações” e não enxergam a verdade só as sombras do que passam na entrada. A partir da libertação da caverna há uma ruptura com ignorância e a pessoa contempla o “mundo das ideias” a (razão), essas pessoas tem como obrigação levar a todos a ter essa mesma experiência, mesmo que isso se torne algo quase impossível de se realizar. Segundo Platão
A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e mais eficaz de fazer dar a volta a esse órgão, não a de o fazer obter a visão, pois já tem, mas, uma vez que ele não está na posição correta e não olha para onde deve, dar-lhe os meios para isso. (518 A-E)
Essa alegoria nos traz quatro etapas para podemos chegar ao mundo intelectivo: Segundo Rita de Cássia Barbosa Barros[3]
a)    Apreensão das imagens: É o conhecimento pelo sensações, tato, paladar, olfato é o conhecimento intuitivo
b)   Apreensão das coisas sensíveis:  São as coisas objetivas a verdade, mas tem que tomar cuidado os sentidos podem enganar.
c)    Conhecimento raciocinativo: O processo de investigação da veracidade de tudo.
d)   Conhecimento direto: Que é o conhecimento próprio inquestionável.[4]
Esse processo é primordial para entender o pensamento de Platão é a posição correta que ele indica em seu diálogo. São as passagens, os níveis de conhecimento que a pessoa tem que adquirir para se chegar a verdade ao processo de libertação das sensações, pois em geral o homem não questiona [i]nada, como os prisioneiros da caverna. Para eles aquelas sombra eram a verdade e não imaginavam que eram apenas copias da realidade, ao momento que começa o questionamento a mudança a transladação de mentalidade.
Platão tem uma grande influência de Sócrates na sua educação e nessa alegoria, ele exprime seu pensamento e sua compreensão de libertação e seu método de chegar a verdade através da formação intelectual. Nesses diálogos eles nos mostra a sua maturidade e traz Sócrates como protagonista.
Mesmo diante da morte de Sócrates não esmoreceu sua confiança de que, através de uma boa educação, poder-se-ia construir um Estado no qual os cidadãos poderiam viver segundo a virtude. (Casagrande, 1999, p.124)[5]

ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO
Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité na Bahia em 12 de julho de 1900. Estudou em colégios jesuítas. Família bastarda foi estudar Ciências Jurídicas no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito. Fora convidado para assumir a Direção da Instrução Pública em 1924 e nesse serviço nasceu sua grande paixão a educação.
   Anísio assume a educação num período em que o sistema educacional estava em tempos de constituição, era o final da década de 20. Dessa forma era necessário conhecer mais sobre a educação para fazer a diferença em seu país. Com isso, Anísio viaja para Europa em 1925, visitando várias cidades como a Espanha, Itália, Bélgica e França. Em 1927 viaja para os Estados Unidos e em 1928 faz um curso de pós-graduação na Universidade de Columbia.
No decorrer de suas viagens Anísio é influenciado por John Dewey[6] e se torna precursor e dinamizador de suas teorias no Brasil.
Nesse encontro Anísio começa a questionar o sistema educacional brasileiro e faz duras críticas ao método arcaico de educar, resultando depois de um estudo um livro “educação não é privilégio”
Nesse livro ele contesta o jeito de educar e também que a educação é para uma classe de privilegiados.
Para ele haveria uma libertação desse arcaísmo e dessa formação desses “favorecidos” e “desfavorecidos” com uma formação justa (igualitária) onde todos teriam a mesma oportunidade de desenvolvimento intelectual.
O governo deveria investir nas escolas em seus múltiplos e diversos aspectos. Como autonomia dos professores e direitos para seguirem suas ideias. Desse modo aconteceria a transformação social e intelectual do aluno. Contudo, o que mais se destacou em Anísio foi o seu envolvimento e interesse em defender a classe mais desfavorecida de tudo, principalmente de educação. Ele propõem ideias revolucionarias para época, como a importância de um bom ensino básico para um pleno desenvolvimento intelectual, escolas de ensino médio bem qualificadas, escolas técnicas para adquirir uma função e com essa boa preparação teríamos bons estudantes de ensino superior e uma libertação do arcaísmo de aprendizado brasileiro.

Aproximação de Platão e Anísio
Os dois autores mostram a importância da educação como caminho para a verdade e para atingir a maturidade racional, para além das sensações existente.
Ambos falam de prisão e libertação. Para Platão é a liberdade da caverna e para Anísio a da ignorância.
Na educação igualitária não seria algo que a criança iria ganhar uma visão ou muito menos para obter, pois já tem. Porque então a educação igualitária é tão importante?
Mesmo que elas já tenham essa visão muitos estarão fugindo do alvo, que é e educação bem consistente, com professores qualificados, que queiram não só ensinar, mas também a desenvolver um processo crítico. Tornando-as um ser pensante. Conseguiremos obter o que desejamos que é uma libertação da pessoa por meio da educação, com o processo adequado.
Quando não há uma educação concisa, o discente pode ficar condicionado ao mundo das sombras(imagens) e não entender a realidade a sua frente. Segundo Platão
E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os que tinham estado sempre prisioneiro, no período em que ainda estava ofuscado, antes de adaptar a vista. (517 A-E)
Quando não há uma educação libertadora, o aluno não julga os fatos. Não julga, não compreende, não analisa e não contempla a verdade a partir do rompimento com o mundo da ignorância, que é a abertura para o mundo inteligível (mundo real). Nesse processo o aluno vai se transformando através do educar. Educação coesa e com responsabilidade, uma mão de duas vias o aluno e o professor estão na mesma sintonia de crescer e transformar.
Estamos a falar da libertação pela educação, mas para Platão algo de divino era o pensar, (faculdade de pensar é, ao que parece, de um caráter mais divino). Todavia, esse pensar tem que ser acompanhado de um modo de ser e agir, não é um simples pensar, não é uma simples libertação e sim é a contemplação da verdade (razão), onde o aluno vai junto com seus talentos aperfeiçoar o seu aprendizado.
Para Platão e Anísio o desacorrentar-se dá através da educação de qualidade que chega a contemplar o intelecto do jovem/aluno. Não fica mais aprisionado no seu mundo (classe social), mas saia bem estruturado para a sua fase adulta visualizando a verdade ao seu a redor (mundo).
Nessa transformação não podemos esquecer da importância dos primeiros anos de ensino na escola. Ela é de profundidade que não tem limites para o desenvolvimento (libertação), essa etapa auxilia o jovem/aluno a ler e a escrever. Esse sistema tem que ser democrático. É um sistema que permite a participação de todos na sociedade, no seu país, nas eleições e tem um grande direito assegurado que é a liberdade de expressão, por isso, a importância do saber libertar a nossa razão para bem vivermos nesse sistema, senão somos engolidos pelas nossos próprios movimentos. Viver sob um sistema democrático tem que ser ensinado realmente no ensino básico, para que seja algo comum a sua visão, não algo distante da realidade e principalmente para não corremos o risco desse sistema virar uma anomia. “A democracia sem a instrução será uma comédia quando não chegue a ser tragédia”. (Teixeira, 1956, p. 89-90)
Para Platão “Estabelecerás então para eles a lei de que devem sobretudo aplicar-se à educação pela qual se tornarão capazes de interrogar e de responder da maneira mais sábia” (534 A-E). É através da dialética e do domínio do conteúdo. O jovem/aluno atingirá a perfeição, sabendo governar, conversar e dialogar com diferentes áreas.
Portanto, a “Alegoria da caverna” está longe muito longe de ser apenas uma acervo de museu, ela ainda não perdeu seu sentido e junto com o livro de Anísio Teixeira -educação não é privilégio- podemos entender como a educação continua sendo um caminho seguro para libertação, ademais, a educação não é um privilégio e sim uma necessidade que o jovem/aluno tem para poder se libertar das suas ignorâncias e chegar a sabedoria. Como pensava Platão ele deveria chegar ao “mundo das ideias” e teria através da educação a oportunidade de tão contemplação.

Conclusão
Podemos através dessa aproximação, entre Anísio e Platão compreender a importância da educação na libertação da mente, de modo que não nos tornemos uma pessoa alienada ao mundo. Seremos críticos, então, e não aceitaremos tudo que nos é dado. Com esse desprendimento da alienação, a nossa fala e o nosso agir será de pessoas livres, que não são motivadas pelas emoções existente e sim pela razão e com um conhecimento da realidade. Esse processo de “tirar para fora”, de desabrochar é o mesmo tratado por Platão como o de tirar as vendas dos nossos olhos e contemplar o que é a essência.
Nas escolas de hoje, muitas vezes não encontramos tal processo que é proposto no artigo.
Sim, uma educação libertadora no Brasil é possível, como foi analisado neste artigo. É um processo de duas vias, ou seja, o aluno com o professor e destes a família do estudante. Assim, teremos jovens com a mente aberta, dispostos a dar respostas a questionamentos do seu tempo.
Referências
Azevedo, Fernando de; ­­-FILHO, Lourenço. Educadores Brasileiros. São Paulo: Paulus, 2007. (Coleção Grandes Educadores)
BARROS, Rita de Cássia Barbosa. O Mito da Caverna: das trevas para a luz, Revista Fórum Crítico da Educação. Rio de Janeiro-RJ: IESP-V. 3-N. 1. out. 2004 ISSN- 1677-8375.
CASAGRANDE, Lino. O Sentido Da Alegoria Da Caverna De Platão, Revista do Centro de Filosofia e Educação. Caixas do Sul, RS: V.4,n. ¹/², p.1-163, jan./dez. 1999 ISSN 0103-1457.
CORDEIRO, Célia Maria Ferreira. Anísio Teixeira, uma "visão" do futuro. Estud. av. [online]. 2001, vol.15, n.42, pp. 241-258. ISSN 0103-4014.
INFOESCOLA, Navegando e Aprendendo Disponível em: <http://www.infoescola.com/biografias/anisio-teixeira/>. Acesso em: 29/03/ 2015
PAGNI, Pedro Angelo. Anísio Teixeira: experiência reflexiva e projeto democrático: a atualidade de uma filosofia da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
PLATÃO. A República. Tradução: Pietro Nassetti São Paulo: Martins Claret, 2016.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.  (Coleção memória da educação).
TEIXEIRA, Anísio Spinola. Educação não Privilégio. ed. Livraria José Olympio Editôra. Rio de Janeiro: 1957.


[1] Aluno do primeiro semestre de Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) – Unidade Lorena.

[2]. Homero (séc. VIII a.C.) foi um poeta grego, a quem se atribuem as obras-primas Ilíada e Odisseia, e uns dos maiores escritores da antiguidade.
[3] Graduada em História pela UERJ. Mestre em Ciência Política pela UFMG, professora do Instituto Superior de Estudos Pedagógicos (IESP).
[4] CF: Fórum Crítico da Educação p. 73-74
[5] Professor no Departamento de filosofia da Universidade de Caxias do Sul.
[6] Filósofo norte-americano defendia a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a manutenção emocional e intelectual das crianças.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Conceito de Família na Filosofia do Direito de Hegel.

O Conceito de Felicidade na Fundamentação da Moral em Kant: em comparação com o pensamento de Aristóteles e Freud

Felicidade: um bem supremo