O Estado na Perspectiva Hegeliana

Brendo dos Santos Lima
O Estado, enquanto instituição caracteriza-se de forma geral como “organização jurídica coercitiva de determinada comunidade” (ABBAGNANO, 2000, p.364). Esse significado para Hegel não se apresenta como correto, na medida em que o Estado é a “realidade em ato da ideia moral objetiva, o espirito como vontade substancial revelada, clara para si mesma, que se conhece e se pensa, e realiza o que sabe e porque sabe” (HEGEL, 1997, p. 216). Aqui também é importante destacar que o Estado é o espírito objetivo, ou seja, ele está no plano real e racional do indivíduo e que, este sendo objetivo, o indivíduo só garante a sua objetividade, verdade e a moralidade quando for membro deste Estado. (cf. HEGEL, 1997).
Dentro do âmbito da moralidade subjetiva, eis o que Hegel afirma:
 Como a moralidade objetiva é o sistema destas determinações da Ideia, dotada de um caráter racional, é deste modo, que a liberdade, ou a vontade que existem em si e para si, aparece como realidade objetiva, círculo de necessidade, cujos momentos são os poderes morais que regem a vida dos indivíduos e que nestes indivíduos e nos seus acidentes têm sua manifestação, sua forma e sua realidade fenomênicas. (HEGEL, 1997, p. 142).

Estando o Estado no plano real e racional do indivíduo, é importante destacar que no âmbito da moralidade objetiva, O Estado está acima da opinião e da subjetiva boa vontade e é “dessa maneira e com essa firmeza que é regida e mantida as leis e as instituições que existe em si e para si” (HEGEL, 1997, p. 142). Em outras palavras, a vontade do Estado prevalece sobre a vontade do indivíduo, visando dar legalidade a propriedade privada e aos outros direitos que só a pessoa possui. Sendo o Estado ordenador das ações morais e arquiteto das leis que serão observadas pelo indivíduo, aqui ergue-se uma questão: será que tendo a primazia do Estado sobre a vontade do indivíduo e a constituição de leis que consequentemente darão ao cidadão não só um direito, mas também um dever, não estaria cerceando o livre-arbítrio e a liberdade do indivíduo? Em resposta a este questionamento, eis o que o filósofo afirma:
Comprometendo a vontade, pode o dever figurar-se como uma limitação da subjetividade indeterminada ou da liberdade abstrata, limitação dos instintos naturais bem como da vontade moral subjetiva que pretende determinar pelo livre-arbítrio o seu bem determinado. Mas o que na realidade o indivíduo encontra no dever é uma dupla libertação: liberta-se, por um lado, da dependência resultante dos instintos naturais e assim da opressão em que se encontra como subjetividade particular submetida à reflexão moral do dever-ser e do possível; liberta-se, por outro lado, da subjetividade indefinida que não alcança a existência nem a determinação objetiva da ação e fica encerrada em si como inativa. No dever, o indivíduo liberta-se e alcança a liberdade substancial. (HEGEL, 1997, p.144).

Sendo a moralidade, o ponto em que o Estado constituído de normas e leis que rejam de uma forma universal a propriedade e o direito do indivíduo, vale salientar que existem dois elementos que para o filósofo em questão são importantes para que haja a constituição de fato do Estado de direito c dentro deste a formação da sociedade civil que são a Escola e a Família. Quanto à sociedade civil, Hegel afirma que é uma associação de membros independentes que por meio de uma constituição jurídica, que lhes serve como instrumento de segurança da pessoa e da propriedade, tendo uma regulamentação exterior que satisfaça a exigência particular e coletiva. (cf. HEGEL, 1997).
A Família, dentro do Estado, possui um papel importante, pois, tratará do espírito do homem de forma individual, ou seja, aqui é o âmbito privado da sociedade civil que tendo uma propriedade dará condições ao sujeito de conhecer a sua particularidade, sua pertença a uma comunidade (nesse caso a família) e terá um princípio e uma base que a reja. Quanto a Escola, ela assume um caráter público e orientador dos elementos constitutivos do Estado, em outras palavras, se a família garante a particularidade e a individualidade privada do sujeito, já a escola tem por princípio régio direcionar a vontade do indivíduo para o âmbito universal e ensinando a este sujeito as normativas, princípios, direitos e deveres do cidadão enquanto membro do Estado. Hegel reforça esse argumento da seguinte maneira:
O direito que pertence ao indivíduo em virtude da unidade familiar e que é, primeiro, a sua vida nessa unidade só adquire a forma de um direito como momento abstrato da individualidade definida quando a família começa a se decompor e aqueles que devem ser seus membros se tornam, psicológica e realmente pessoas independentes. O que eles traziam à família e era apenas um momento constitutivo do todo, recebem-no agora no isolamento, que dizer, só segundo aspectos exteriores (fortuna, alimentação, despesas de educação e etc.). A Família realiza-se em três aspectos: a) na forma do seu conceito imediato, como casamento, b) na existência exterior: propriedade, bens de família e cuidados correspondentes, c) na educação dos filhos e na dissolução da família (HEGEL, 1997, p. 150).  
Colocando esses dois parâmetros como movimentos necessários para a edificação do Estado, não podemos esquecer que dentro da constituição do Estado é preciso constituir dentro dele as instituições que garantirão que o funcionamento da maquina pública, como chamamos nos dias atuais, e para fazer com que as leis magnas sejam cumpridas, sendo que tais instituições são representantes da grande massa e direcionará, ordenará, definirá as leis e também julgará dentro delas as ações corretas e incorretas da sociedade. Com relação as instituições, vale salientar a asseveração hegeliana:
[...] nas instituições que são o que há de virtualmente universal, nos seus interesses particulares, têm eles a essência da sua consciência de si, e essas instituições lhe dão a seguir, nas corporações, uma atividade e uma ocupação dirigidas para um fim universal. Tais instituições formam a Constituição, quer dizer, a razão desenvolvida e realizada no particular e são, por conseguinte, a base segura do Estado bem como da confiança e dos sentimentos cívicos dos indivíduos, são os pilares da liberdade pública, pois, por elas, é racional e real a liberdade particular e nelas se encontram reunidas a liberdade e a necessidade. (HEGEL, 1997, p. 229).
Com essa premissa, pode-se inferir que é com essa base que surgem os poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, o primeiro para fazer com que a lei seja cumprida, o segundo para construí-las e a terceira para aplicar a lei na sua integralidade. É interessante perceber que no final da citação acima, Hegel define a real atividade das instituições: fazer com que o racional e o real e a liberdade particular se encontrem e garantam o direito individual e universal. Nesse sentido nascem posteriormente dentro das cartas magnas dos Estados Nacionais os direitos fundamentais, as chamadas cláusulas pétreas, e os deveres dos cidadãos.
Já que estão sendo abordadas no corpo deste texto as instituições e dentro delas os poderes regentes da Nação, vale fazer uma abordagem sobre os elementos característicos da Constituição. Segundo a definição do dicionário, a palavra constituição, dentro de outros significados, significa: “Lei fundamental num Estado, que contém normas sobre a formação dos poderes públicos, direitos e deveres dos cidadãos, etc,; carta constitucional”. (FERREIRA, 2001, p.179). Indo ao encontro deste significado, e porque não dizer que a afirmação do dicionário fora construída com base na filosofia sobre o Estado de Hegel, o filósofo apresenta no prelúdio do tópico que leva esse nome eis que ele afirma:
A constituição é racional quando o Estado determina e em si mesmo distribui a sua atividade em conformidade com o conceito, isto é, de tal modo que cada um dos poderes seja em si mesmo a totalidade. É isso obtido porque cada momento contém em si a ação dos outros momentos e porque, ao exprimirem a diferença do conceito, todos eles se mantêm em sua idealidade e só constituem um todo individual único (HEGEL, 1997, p.244).
Essa prerrogativa, portanto, aponta o rumo para a construção do código régio do País e dentro dessa construção serão priorizadas três coisas: A propriedade, o direito particular (a posse), e a segurança, garantias universais do indivíduo, sendo racional e real no Estado, se traduzem nos dias atuais em elementos fundamentais e imprescindíveis para a boa vivência do cidadão, tais como: saúde, educação e segurança[1].




[1] O artigo 6 da Constituição da República Federativa do Brasil em seu corpo garante à população brasileira: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição” (CONSTITUIÇÂO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2004, p. 20 e 250, art. 6.) Vale acrescentar que houve uma mudança no artigo por meio da Emenda Constitucional Nº 26, de 2000 que foi publicada no Diário Oficial da União em 15 de fevereiro de 2000, acrescentando a Moradia como um dos direitos sociais do cidadão brasileiro.

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