O Conceito de Justiça Hegeliano
O Conceito de Justiça Hegeliano
Antes de pensar
e dissertar sobre o conceito de justiça hegeliano e tentar nessa perspectiva
coloca-lo em aplicação com o Estado Brasileiro é preciso assimilar, antes
disso, a direção que o Eu absoluto, ou seja, o sujeito participante e ativo das
ações da coletividade se situa e se insere em seu contexto. Essa reflexão sobre
o direito abstrato é necessária para que ao compreender o homem como sujeito da
ação na sociedade, este possa constituir de forma livre e correta o Estado e as
suas leis.
O pensamento que
introduz o conceito de justiça e a sua compreensão está justamente na maneira
que o homem, enquanto sujeito dotado de vontade, não a direciona a
arbitrariedade, mas coloca-a em sintonia com a compreensão coletiva da posse e
da propriedade. Para chegar a tal conclusão é preciso examinar o pensamento de
Hegel com relação a vontade, para após isso pensar em um sujeito que compreende
a justiça e consequentemente, entende a configuração do Estado de Direito. Em
busca de tal compreensão, em primeiro lugar será apresentado o Direito Abstrato
e a vontade e em sequencia o princípio de Justiça para Hegel.
1.1
O Direito Abstrato e a vontade
A vontade do
sujeito, “livre em si e para si, tal como se revela no seu conceito abstrato,
faz parte da determinação específica do imediato” (HEGEL, 1997, p.39). Com essa
prerrogativa, o filósofo inicia uma argumentação em torno do indivíduo,
constituindo-o como pessoa. Este termo, só é utilizado na medida em que a
vontade livre para si de maneira universal é apresentada como formal e nessa
relação apresenta-se a individualidade própria. Com isso:
[...] implica a noção de
personalidade que, não obstante eu ser tal indivíduo complementar determinado e
de todos os pontos de vista definido (no meu íntimo livre-arbítrio, nos meus
instintos, no meu desejo, bem como na minha extrínseca e imediata existência),
não deixo de ser uma relação simples comigo mesmo e no finito me conheço como
infinitude universal e livre (HEGEL, 1997, p. 39).
É interessante perceber que a
personalidade do ser humano, só inicia quando esse tem consciência de si, não
como eu simplesmente concreto, mas um eu puramente abstrato, tornando assim
todas as limitações e valores concretos são negados e invalidados. (cf. HEGEL,
1997). É essa personalidade que constituirá o direito e constitui a formalidade
das leis, fazendo com que “pessoas se tratem como pessoas” (HEGEL, 1997, p.
40). Por tratar do Estado, o direito precisa estar nas bases de tal
instituição, por isso eis o pensamento de Hegel quando apresenta o início do
direito:
O direito começa por ser a
existência imediata que a si se dá a liberdade de um modo também imediato nas
formas seguintes: a) a posse, que é propriedade; aqui, a liberdade é
essencialmente liberdade da vontade abstrata ou, em outros termos, de uma
pessoa particular que se relaciona consigo mesma; b) a pessoa que se diferencia
de si se relaciona com outra pessoa e ambas só como proprietárias existem uma
para a outra; a identidade delas, que existe em si (virtual), adquire a
existência do transito da propriedade de uma para a outra, com mútuo
consentimento e permanência do comum direito. Assim se obtém o contrato; c) a
vontade como diferenciada na relação consigo mesma, (a) não porque se relacione
com outra pessoa mas (b) porque é em si mesma vontade particular que se opõe ao
seu ser em si e para si , constitui a injustiça e o crime (HEGEL, 1997, p.
40-41).
Nessa
envergadura que surgem posteriormente as constituições e os códigos penais das
Nações em torno do mundo. Estas se fazem necessárias para além de garantir o
direito privado da individualidade, possa também gerar o livre trânsito entre
pessoas em um único ambiente, nesse caso, o país. Também podemos acrescentar que
as normas (leis) servirão para evitar a oposição à vontade particular do ser em
si e para si, pois isso constitui para Hegel a injustiça e o crime.
1.2
A Justiça
Ao adentrar essa
perspectiva de análise, após passar pela vontade do sujeito, que de forma
alguma a justiça é pensada de maneira unívoca a todos (no que tange a
quantidade), mas sim na qualidade. Por isso é correto afirmar que o conceito de
Justiça para Hegel é qualitativo e não quantitativo, dando assim ênfase à
igualdade do ser humano enquanto pessoa e detentora de direitos, mas não
igualando-os no âmbito da propriedade privada. Eis o que Weber afirma sobre
essa perspectiva:
A igualdade
refere-se ao fato de serem pessoas; diz respeito a sua capacidade legal, ainda
que potencial. Significa dizer, por exemplo, que cada pessoa deveria ter
propriedade, tendo em vista a satisfação de suas necessidades básicas materiais
e a expressão de sua vontade livre. No entanto, a justiça não exige que as
propriedades sejam iguais. Afirma Hegel: “Em relação às coisas exteriores, o
racional é que possuo propriedade; seu aspecto particular compreende os fins
subjetivos, as necessidades, o arbítrio, o talento, as circunstâncias
exteriores, etc” (Rph § 49). A ênfase está na distinção do que é necessário e
do que é contingente no desenvolvimento do Conceito do Direito. A questão é
qualitativa e não quantitativa. Isso passa a ser um critério importante para
efetivação da justiça. “O que e quanto possuo é contingente para o Direito”
(Rph § 49). Nesse parágrafo fica evidenciado que justiça não requer igualdade,
sobretudo no que diz respeito à efetivação do direito de propriedade. A
particularidade inclui diferentes habilidades. É justo permitir e incentivar o
seu desenvolvimento. Daí decorre a desigualdade entre os proprietários, e ela
não é injusta. (WEBER, 2014, p. 22).
O termo aqui apresentado
que entra em evidencia na discussão filosófica sobre a justiça é a
igualdade. Ao mesmo tempo em que há uma igualdade, por ser vivida em um
contexto e uma realidade de seres humanos, contudo, a igualdade aqui não se
trata de todos terem as mesmas coisas, ou os mesmos direitos, mas sim refere-se
ao indivíduo, que por ser dotado de uma vontade livre, tem direito a uma posse
e a garantia dessa posse, daí entra o direito a propriedade e a garantia de tal
direito, o que configura-se como justo e constrói-se também uma normativa que
oriente, defina e estabeleça garantia à propriedade individual de cada membro
da Sociedade.
É interessante
ainda perceber dentro de tal reflexão que tudo o que desfavorece estas duas
perspectivas constitutivas do direito da pessoa, a posse e a propriedade,
ocorre à injustiça. Tudo o que vai de encontro com esses dois princípios,
configura-se em crime, não pelo fato do desejo de possuir, que é imanente ao
homem, mas por violar o direito do outro que é garantido dentro de um país pela
sua Carta Magna, ou pelo seu código penal. Essa prerrogativa também é
utilizada, não somente quando é ferido o direito a propriedade, mas também
quando há violação no direito da pessoa, caracterizando em duas frentes a
violência e o delito. Quanto à violência e ao delito, são
“a forma mais intensa de lesar a vontade alheia. O delituoso quer ser injusto.
Não respeita o direito em si nem como aparece a ele”. (HEGEL apud WEBER, 2014,
p. 5).
[1] Aluno do 4º Período do Curso de
Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - U.E. de Lorena.
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